segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O ROUBO DA MULETA


Desde que o mundo existe, existem os gatunos e larápios; mas, agora, a coisa desandou de vez. Quando eu era criança, lá pelos finais de oitenta, até a adolescência, já na década de noventa, os ladrões eram nossos conhecidos, por quem passávamos nas poucas ruas da cidade e de quem, por ordens dos nossos pais e para o nosso bem, mantínhamos alguma distância; mudando, por muitas vezes, o lado da rua, indo passar em cima da outra calçada.

Eles roubavam galinhas, maços de cigarro, pequenas quantias em dinheiro, que eram encontradas nas gavetas dos botecos, enquanto o dono ia lá dentro tomar um cafezinho. Roubos grandes, em casas de família, ou coisas de maior monta, ouviam-se falar que aconteciam, ainda que de vez em quando, em Montes Claros, e, com maior frequência, em Belo Horizonte.

Minha bicicleta, uma Monareta oitenta e seis, que meu pai comprou já usada e que chegou em casa sem freio, dormiu algumas vezes na porta de seu Estanísio,  onde eu ia comprar sabão para minha mãe lavar as roupas ou picolé para refrescarmos o calorão do mês de setembro; tendo dormido muitas vezes também na porta de Edmundo, onde eu ia jogar fliperama quase que diariamente, sem que nunca fosse roubada.

Hoje se roubam de tudo, desde pirulitos de crianças indefesas até as grandes empresas nacionais. Aqueles o fazem por safadeza, estes por falta de ética. Dizem que tudo isso é bem diferente. Mas, sábado, e isto ouvi hoje pelo rádio, no Rio de Janeiro, roubaram a muleta de dona Maria. Talvez ela nem se chame Maria e pode ser que nem seja tão madura para ser chamada de dona. Acredito até que não precise usar muleta por toda a vida, pois, assim espero, pode ser que esteja apenas com uma das pernas quebradas após uma insossa queda de moto, quiçá, tenha sofrido um escorregão vagabundo enquanto lavava a casa da patroa, uma rica senhora do Arpoador. Mas isto não vem ao caso.

O que chama a atenção é o fato de a pobre mulher, enquanto fazia o seu joguinho da Mega-Sena, numa das tantas casas lotéricas cariocas, ter a sua muleta surrupiada, em plena luz do dia, sem que nem mesmo uma câmera tenha filmado a cara do deliquente. Sábado, realmente, não era o dia de sorte de dona Maria, que perdera a sua muleta e ainda não ganhou na Mega. Mas, hoje, ainda no noticiário, ouvi que um cidadão do Meyer resolvera doar para a pobre mulher uma muleta, que já não usa mais, com a condição de que quando ela não mais precisar dela, que o devolva, para que possa doar para outro necessitado.

Talvez, nesta tarde, dona Maria tenha feito a sua fezinha, depois de ter buscado, na garupa de uma moto, a muleta na casa do seu doador. Pode ser que acerte os números desta vez e não precise mais trabalhar em casa de família. Quanto ao ladrão da muleta, quem sabe ele tenha tomado um tombo, enquanto fugia com o objeto debaixo do braço, e agora a esteja usando para se locomover de um boteco a outro pelas ruas cariocas. Mas, tudo isto são apenas suposições e nada mais.  

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