Todas as quartas e sextas,
o homenzinho chegava ao boteco sempre à mesma hora, como se fosse um lorde inglês
do século XIX. Não dispunha de roupas bonitas. Ao contrário, vestia-se quase
sempre com uma velha calça jeans surrada e uma camisa social encardida; calçava
uma botina gasta e trazia sobre a cabeça um chapéu de massa, metodicamente inclinado
para a esquerda, como que para compensar a sua tendência direitista. Mas agia
sempre como os lordes de outrora.
Da minha janela, eu o
avistava subindo a rua lentamente. Vinha do lado da lagoa. Não sei da sua
origem, mas, talvez viesse do Riacho da Areia, do Riacho Fundo, quiçá do
Cercado. Não vinha de muito perto, mas, também não devia ser de muito longe.
Não ofegava, embora o suor lhe descesse pela testa. As botinas estavam sempre
sujas de terra, ou lama, de acordo com o tempo. Cumprimentava a todos que
passavam, sutilmente, com um balançar de cabeça. Eram sempre os mesmos atos.
Chegava por volta das
dezesseis e trinta; batia os pés três vezes, ainda no asfalto; olhava a rua de
cima a baixo e entrava no boteco, cumprimentando, placidamente, com um balançar
de cabeça, aos que se encontravam no recinto. Sentava-se sempre à beira da
porta; tirava o chapéu e punha a um canto da mesa, próximo ao seu braço
direito; cruzava a perna direita sobre a esquerda e ficava balançando os pés
num único ritmo, como se cantasse com os pés uma música há tempos aprendida.
Com o habito adquirido,
o dono do boteco trazia-lhe sempre uma dose generosa de conhaque com licor de
pequi, a qual o velho bebia num único gole. Depois, já descansado, estalava os
dedos e pedia uma folha e uma caneta. O homem trazia junto do pedido mais uma
dose de bebida, que, agora, era degustada lentamente, como se clareasse os seus
pensamentos. Escrevia por um longo tempo e, quando já eram dezessete e quinze,
sem que consultasse o relógio ou perguntasse as horas a alguém, deixava o
dinheiro sobre a mesa; pegava o chapéu e punha na cabeça; despedia-se dos
presentes e saía.
Faz algum tempo que o
velho não aparece. Por curiosidade, tenho perguntado sobre o seu
paradeiro ao dono do boteco, que também não tem notícias. Á propósito, o mesmo
diz não saber de onde é, ninguém sabe; surge sempre do mesmo lado, mas, ninguém
nunca o viu em lugar algum. O homem também não sabe o que ele escreve, pois o
faz com uma letra estranha, numa escrita quase indecifrável; ademais, conforme
vaticinou, afastando minha curiosidade de cronista, não costuma bisbilhotar
escritos alheios.
Continuarei à janela,
pode ser que apareça uma hora destas; assente-se na mesma cadeira e, se a
coragem não faltar, pode ser que eu vá ao boteco, peça um conhaque com licor de
pequi e converse algumas amenidades com o velho. Talvez até leia os seus
escritos, onde ele fale de um homem que fica sempre à janela, olhando os
transeuntes, inventando personagens e que, numa tarde de céu anuviado,
escreveu, por acaso, sobre um lorde inglês que nunca existiu, só pra inglês ler.
Não sei por em palavras o que senti, só posso dizer que gostei muito. Parabéns autor pela boa percepção em captar o que o leitor gosta de ler.
ResponderExcluirMeu caro confrade, uma pena que, intelectuais aqui, no nosso sertão, são valorizado qui nem jornal veio usado... merecíamos mais apoio, mas, que fazer, confrade...
ResponderExcluirGostei muito! Se ele reaparecer não vá encontrá-lo. Às vezes há mais poesia no que imaginamos e a realidade nos desencantaria.
ResponderExcluirGostei muito! Se ele reaparecer não vá encontrá-lo. Às vezes há mais poesia no que imaginamos e a realidade nos desencantaria.
ResponderExcluirParabéns!!
ResponderExcluirGostei muito.
Gosto qdo o escritor ñ termina sua história,deixando que o leitor com sua imaginação finalize o texto.