sábado, 8 de dezembro de 2018

JHONLEY


Para Alex e Hermelindo.

Preto, grande e de raça indefinida, o cachorro todas as noites nos espera no mesmo lugar. Fica à beira da estrada, observando a nossa chegada sem latir ou fazer qualquer menção para, num átimo de valentia, quando já estamos ao seu alcance, correr e latir ao nosso lado, até que cheguemos à última curva. E, com o serviço completado, ele volta para a sua casa, onde, creio eu, vai dormir o sono dos justos.

            Talvez ele se chame Bob ou Jhonley. Um antigo vizinho tinha um cachorro com este nome, também preto, grande e sem raça definida, mas que ficava no quintal todo o tempo e não gostava de correr atrás de carros. Pode ser que já seja pai de uma ou duas ninhadas e, quem sabe, até seja um bom caçador de bichos do mato; mas, por diversão, e acredito que seja somente isto, gosta de latir o nosso carro e apostar corrida todas as noites.

            O motorista não corre. Segue com o pé leve, firme ao volante, deixando que ele sinta a sensação de correr ao nosso lado, como se aquela fosse a sua maior diversão do dia, e, numa destas, ainda me disse que quando não passamos pode ser que o cachorro sinta a nossa falta e continue ali à nossa espera, até que o sono chegue e seja obrigado a se recolher. Disse, ainda, que um dia ele para, só para ver o que o bicho vai fazer.

            Confesso o meu temor, pois sempre fui um sujeito meio temeroso, receoso e deveras complacente. Gosto de ver a corrida de Jhonley, e assim o chamarei por afinidade, tanto quanto gosto de ouvir os seus latidos em torno do veiculo; mas temo pelo que ele não possa fazer no dia em que pararmos ao seu lado; pois, creio eu, ele talvez nunca tenha pensado nessa possibilidade.

            E talvez assim também sejamos nós; como o pobre Jhonley a correr atrás de sonhos, de esperanças e de ilusões, mas sem saber o que fazer quando o objetivo for alcançado. Certamente o nosso amigo nem quer que paremos e nem mesmo se interessa pelo que fazemos ou pensamos, desejando apenas correr, correr, correr, como se este fosse o seu único destino.

            Da mesma forma, pode ser que nós queiramos apenas sonhar, sonhar e buscar; pois, assim, sempre teremos um objetivo; senão, por que o cachorro esperaria todos as noites, por que ele correria em desabalada carreira, por que latiria tão fortemente, com os olhos brilhantes e o peito arfante? Sem a espera e a carreira noturna, talvez nada lhe tivesse razão, assim como não teríamos razão se não houvesse o que sempre buscar.  

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