Para Alex e Hermelindo.
Preto, grande e de raça
indefinida, o cachorro todas as noites nos espera no mesmo lugar. Fica à beira
da estrada, observando a nossa chegada sem latir ou fazer qualquer menção para,
num átimo de valentia, quando já estamos ao seu alcance, correr e latir ao
nosso lado, até que cheguemos à última curva. E, com o serviço completado, ele
volta para a sua casa, onde, creio eu, vai dormir o sono dos justos.
Talvez
ele se chame Bob ou Jhonley. Um antigo vizinho tinha um cachorro com este nome,
também preto, grande e sem raça definida, mas que ficava no quintal todo o
tempo e não gostava de correr atrás de carros. Pode ser que já seja pai de uma
ou duas ninhadas e, quem sabe, até seja um bom caçador de bichos do mato; mas,
por diversão, e acredito que seja somente isto, gosta de latir o nosso carro e
apostar corrida todas as noites.
O
motorista não corre. Segue com o pé leve, firme ao volante, deixando que ele
sinta a sensação de correr ao nosso lado, como se aquela fosse a sua maior
diversão do dia, e, numa destas, ainda me disse que quando não passamos pode
ser que o cachorro sinta a nossa falta e continue ali à nossa espera, até que o
sono chegue e seja obrigado a se recolher. Disse, ainda, que um dia ele para,
só para ver o que o bicho vai fazer.
Confesso
o meu temor, pois sempre fui um sujeito meio temeroso, receoso e deveras
complacente. Gosto de ver a corrida de Jhonley, e assim o chamarei por
afinidade, tanto quanto gosto de ouvir os seus latidos em torno do veiculo; mas
temo pelo que ele não possa fazer no dia em que pararmos ao seu lado; pois,
creio eu, ele talvez nunca tenha pensado nessa possibilidade.
E
talvez assim também sejamos nós; como o pobre Jhonley a correr atrás de sonhos,
de esperanças e de ilusões, mas sem saber o que fazer quando o objetivo for
alcançado. Certamente o nosso amigo nem quer que paremos e nem mesmo se
interessa pelo que fazemos ou pensamos, desejando apenas correr, correr,
correr, como se este fosse o seu único destino.
Da
mesma forma, pode ser que nós queiramos apenas sonhar, sonhar e buscar; pois,
assim, sempre teremos um objetivo; senão, por que o cachorro esperaria todos as
noites, por que ele correria em desabalada carreira, por que latiria tão
fortemente, com os olhos brilhantes e o peito arfante? Sem a espera e a
carreira noturna, talvez nada lhe tivesse razão, assim como não teríamos razão
se não houvesse o que sempre buscar.
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