quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

RESOLUÇÃO

Tonico veio me reclamar dos três companheiros de serviço. O caseiro chegou timidamente, antes que Dina chegasse para os serviços na cozinha. Disse que a mulher não demoraria, que tinha ficado dando uma adiantada nos serviços da casa, enquanto ele vinha conversar comigo.

Senti um frio na espinha ao ouvir aquelas palavras. Será que a esposa tinha se irritado com a maneira que eu a olhava e tinha reclamado ao marido? Procurei manter a postura altiva; destampei a garrafa de pinga e ofereci ao Tonico:

- Toma uma comigo?

O homem, que já estava com o chapéu nas mãos, deu um sorriso respeitoso e aceitou o convite:

- O senhor me desculpe, mas eu vou aceitar uma dosinha. Preciso mesmo acalmar meus nervos.

Enquanto eu punha as doses nos copos, ordenei que sentasse e falasse. Ele jogou um pouquinho da aguardente no chão, dizendo que era para o santo e, em seguida, bebericando lentamente, começou a reclamações. Disse que os homens não trabalhavam, apenas enrolavam no serviço, não fazendo render as capinas, a ordenha e a produção de queijo.

Não levei a sério as lamúrias de Tonico, afinal, os três não estavam ali para produzirem qualquer serviço de roça. Apesar disso, também considerava o fato de que talvez nem precisasse mais dos homens, afinal, fazia tempo que não se tinha qualquer notícia do Arnaldo e, certamente, ele já estivesse mesmo no descanso eterno.

Já estava pronto para dispensar o caseiro, quando ele disse sobre os acontecidos com a sua esposa. Não tinha sido uma ou duas vezes; corriqueiramente, eles mexiam com a pobrezinha enquanto ela mexia nas hortas ou buscava ovos no galinheiro a pedido de Candinha. Falou que a mulher não queria que ele me falasse, pois eram homens de minha confiança, mas que ele não poderia aguentar aquilo, se não ainda faria uma besteira.

Por algum motivo, também senti a raiva do Tonico. Tomei mais uma dose de pinga e fiz com que ele também bebesse; levantei-me e andei pela varanda, olhando as vacas que pastavam próximo aos pequizeiros:

- Não se preocupe, meu amigo. Ainda hoje mando todos embora. Isso é inadmissível; como podem mexer assim com a sua esposa?! 

O homem me agradeceu com os olhos brilhando e já ia se levantando para voltar ao serviço, quando o indaguei sobre um dos filhos:

- O seu menino mais velho já aguenta o serviço no Sarará? - Diante do consentimento de Tonico, continuei - Pois bem, a partir de hoje, ele será o seu auxiliar.

O caseiro esboçou um sorriso, mas, resoluto, conteve-se. Aproveitei a sua aparente alegria e continuei:

Mas eu exijo que ele continue estudando e só comece a trabalhar depois do almoço; que tire notas boas e não perca o ano. Ele vai receber o valor que merecer, e, para que garanta o seu futuro, darei a ele a Estrela e o seu bezerrinho. Isso se você permitir.

Notei que as lágrimas queriam descer dos olhos dele, mas ele conseguia se segurar. Agradeceu-me novamente, agora com um largo sorriso na cara e pediu licença para sair, pois precisava tirar o leite para preparar os queijos.

Sentei-me novamente e tomei mais uma dose de pinga. Gritei por Maria e ordenei que trouxesse linguiça frita para o meu tiragosto. Candinha tinha acabado de se  levantar e fazia as suas ablações; logo viria, como sempre fazia, tomar café junto comigo na varanda. E Dina não tardaria em chegar.

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