sábado, 14 de agosto de 2010

UMA CRÔNICA VELHA

UMA CRÔNICA VELHA


Acho mesmo que todos os nossos pensamentos dependem dos nossos sentimentos. Pode parecer óbvio, mas só reparamos isso, quando realmente acontece. Sempre passei por aquela rua e aquela cena sempre esteve presente, mas nunca a havia reparado.
A vendinha fica numa subida leve, próximo ao morro de Lourdes, em Coração de Jesus. Trata-se de uma vendinha velha com um velhinho dentro. É sempre a mesma coisa: a venda velha sem nenhum freguês e um velhinho do lado de dentro do balcão.
Poderia dizer que é uma cena triste, mas não se trata disso; antes, é uma cena histórica. Se olharmos por esse lado dá prá pensar: quantas e tantas vidas passaram por ali; quantas histórias foram contadas por algum indivíduo recostado àquele balcão; quantas histórias devem ter acontecido naquele recinto?
Aquela cena não reflete a sua verdadeira identidade. O velhinho não é apenas um senhor triste esperando a morte chegar. Tudo é uma grande conspiração. Uma conspiração histórica. Por que eu? Por que justamente eu deveria passar por ali e observar aquela cena? Será que nenhum outro cronista escreveu sobre aquele velhinho e sua velha venda?
Tive vontade de entrar, pedi um copo d’água e falar-lhe sobre essa conspiração. Não tive coragem, sou melhor com palavras escritas; enrolo-me com elas junto à língua; saltam da boca todas de uma vez, atrapalham-se, envergonham-me por completo. Melhor não. Continuei meu caminho, enquanto o velhinho, sentado detrás do velho balcão, parecia relembrar o passado. Ou será que imaginava o futuro?
Quantas histórias já não viram aqueles olhos cansados. Um dia talvez eu pare; entre e, depois de pedir um copo d’água, parabenize o velhinho. Por quê?! Por estar ali há tanto tempo; por manter viva aquela história... Sei lá... Talvez, por ter-me inspirado esta crônica velha.

Coração de Jesus, 14/08/2010

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