UMA CRÔNICA VELHA
Acho mesmo que todos os nossos pensamentos dependem dos nossos sentimentos. Pode parecer óbvio, mas só reparamos isso, quando realmente acontece. Sempre passei por aquela rua e aquela cena sempre esteve presente, mas nunca a havia reparado.
A vendinha fica numa subida leve, próximo ao morro de Lourdes, em Coração de Jesus. Trata-se de uma vendinha velha com um velhinho dentro. É sempre a mesma coisa: a venda velha sem nenhum freguês e um velhinho do lado de dentro do balcão.
Poderia dizer que é uma cena triste, mas não se trata disso; antes, é uma cena histórica. Se olharmos por esse lado dá prá pensar: quantas e tantas vidas passaram por ali; quantas histórias foram contadas por algum indivíduo recostado àquele balcão; quantas histórias devem ter acontecido naquele recinto?
Aquela cena não reflete a sua verdadeira identidade. O velhinho não é apenas um senhor triste esperando a morte chegar. Tudo é uma grande conspiração. Uma conspiração histórica. Por que eu? Por que justamente eu deveria passar por ali e observar aquela cena? Será que nenhum outro cronista escreveu sobre aquele velhinho e sua velha venda?
Tive vontade de entrar, pedi um copo d’água e falar-lhe sobre essa conspiração. Não tive coragem, sou melhor com palavras escritas; enrolo-me com elas junto à língua; saltam da boca todas de uma vez, atrapalham-se, envergonham-me por completo. Melhor não. Continuei meu caminho, enquanto o velhinho, sentado detrás do velho balcão, parecia relembrar o passado. Ou será que imaginava o futuro?
Quantas histórias já não viram aqueles olhos cansados. Um dia talvez eu pare; entre e, depois de pedir um copo d’água, parabenize o velhinho. Por quê?! Por estar ali há tanto tempo; por manter viva aquela história... Sei lá... Talvez, por ter-me inspirado esta crônica velha.
Coração de Jesus, 14/08/2010
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