A VIDA E OS
SONHOS
Treze anos somente, era esta a sua idade. Caído ao chão,
com o sangue escorrendo-lhe pelo asfalto quente. Seria apenas mais um corpo
estendido no chão, ou um número a mais nas vastas estatísticas de morte no
país, não fosse aquele indivíduo uma simples criança a descer a rua em sua
bicicleta para buscar leite. A vida por um litro de leite, nas rodas de uma
bicicleta, no parachoque de um caminhão.
Um homem chega numa motoneta, talvez o pai, com a difícil
tarefa de reconhecer o corpo. Treze anos somente, era esta a sua idade. Talvez
tenha ido à Esplanada no dia de ontem, com a mãe, o pai e uma irmã ainda
pequena; talvez tenha pegado todo aquele sol da manhã para ver os militares
marchando pela avenida e tenha se sentido feliz ao ver os balões levantando voo
com o crepitar das chamas em seu interior. Era apenas uma criança e crianças
são seres ingênuos e, pasmem, ainda felizes.
Os transeuntes olham. Veem apenas um corpo estendido sobre
o asfalto quente, coberto por uma grande folha de papel, antes branca, toda suja
de sengue. Conversam entre si; reclamam do governo; das injustiças da vida; do
tempo quente que faz em Brasília. Não pensam no menino que, certamente, jogava
bola pelas ruas com outros meninos; gostava de ver televisão e jogar videogame;
que tinha uma namoradinha na escola e sonhava ser jogador de futebol, ser rico
e famoso. As pessoas não sabem de tudo isso.
As redes de TV brigam pela melhor imagem. Querem o ângulo
mais atraente. Não sentem a dor, não veem que os sonhos ainda sobrevoam o
lugar; rodeiam-no, talvez a espera de que se levante, pegue-os e volte a
alimentá-los. Treze anos somente e muitos sonhos a serem realizados. Sonham que
voam lentamente, talvez em busca de um outro menino, uma outra alma em que
possam se instalar e viver plenamente. A polícia chega e os curiosos se esvaem.
Compro o meu jornal e sigo. Mas os sonhos ainda continuam em busca de uma nova
casa pra morar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário