terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

AINDA O SUMIÇO DO ARNALDO

AINDA O SUMIÇO DO ARNALDO
AINDA O SUMIÇO DO ARNALDO


O Arnaldo sumiu. Não tive notícias; não sei se fugiu ou se sumiram com ele. A esposa não apareceu. Apenas ontem esteve em minha casa, trazendo a triste notícia. Fiquei com pena do Arnaldo, pois sei que na condição em que estava não deveria ter desaparecido. Mas, confesso, senti uma ponta de alegria ao pensar que sua esposa agora estaria livre pra mim. Agora, no entanto, sinto-me receoso por não saber do pobre diabo. E se estiver morto (coitado!)? E se estiver vivo e me vier procurar? Não tenho nada com a mulher, mas...
        Hoje sai cedo. Levantei-me; tomei o café; arriei o cavalo e fui. Andei pelos matos, em busca do Arnaldo, de alguma notícia, de alguma pista que me levasse ao seu paradeiro. Nada; nenhuma pista sequer. Ninguém sabia do homem, apenas que sumira. Passei pelos lados de sua casa, pensando encontra-lo pelas redondezas ou, quem sabe, encontrar sua esposa; perguntá-la sobre notícias, oferecer a ela os meus préstimos...
        A casa estava fechada. Nenhum barulho, nenhum movimento; apenas um silêncio profundo. Aquela é uma casinha triste, pequena com paredes de adobe, portas e janelas minúsculas, de madeira, telhado baixo comum e tinta branca, bastante velha na parede. Não pude deixar de notar o jirau, no quintal, seco, sem motivo de vasilhas ou panelas, como se há dias ninguém habitasse àquela morada. Bati à porta de uma vizinha. Disse não saber do Arnaldo nem de sua esposa. Achava que ela estivesse na casa de uma conhecida do outro lado da cidade, mas não me dera certeza...
        Voltei para casa com ideias na cabeça: e se o meu amigo não tivesse fugido? E se a esposa o tivesse matado?... Mas por que haveria de fazê-lo, se ele era o ciumento; se ela era a beleza dela que lhe dava os motivos de desconfiança? Pensei em dinheiro; mas o coitado era pobre, não tinha heranças nem posses. Pensei em vingança, mas não achava motivos para tamanha barbárie. Não. Não haveria de ser a pobre mulher uma assassina. Sua beleza não lhe permitiria cometer tal loucura!
        No hospital me disseram que não tinham qualquer responsabilidade sobre o acontecido; que o homem havia saído pela porta da frente, por vontade própria, enquanto o porteiro fora ao banheiro. Ninguém o vira saindo, mas era a única maneira de fazê-lo. Penso que venha ao meu encontro, ou para matar-me ou para pedir-me algum conselho. Quando vier, se para brigar, brigamos; se para aconselhar-se, bebemos.
        Sentado, agora, no banco da varanda, olhando a rua com seus movimentos habituais, lembro-me do meu amigo, das noites de farra; dos sonhos em comum; dos banhos de rio... Mas, no meio das divagações, eis que me surge sua esposa, com seus olhos verdes, seus cabelos negros e seu corpo perfeitamente esculpido pela natureza. Tento desviar meus pensamentos, mas as ideias convergem para o mesmo ponto, querem vê-la, tocá-la, senti-la carnalmente. Levanto-me; vou à estante, pego a melhor pinga, despejo-a no copo até a boca e tomo numa única golfada. A pinga desce ardendo no peito e ela desaparece.
        Volto ao banco. As pessoas sobem e descem a rua tranquilamente. Todos me olham, cumprimentam e passam. As lembranças da esposa do Arnaldo voltam, mas não as afasto; fixo os olhos na ponta da rua, lá em cima, na esperança de que o amigo apareça, que venha triste, com seu andar humilde, chegue devagar e cabisbaixo e, ainda no pé da escada, me diga:
        - Amigo, hoje quero a melhor pinga, que é pra esquecer de vez aquela cadela!

Um comentário:

  1. E por onde anda o Arnaldo...Espero que não esteja tramando a morte do seu melhor amigo

    Renato Cheloni

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