O SUMIÇO DO ARNALDO
Era ainda bastante cedo e eu tomava o meu café e comia um pedaço de queijo, enquanto picava o roleiro e alisava a palha para o preparo do cigarro. Lá embaixo, no fim da rua, dois vaqueiros tentavam segurar um boi-carreiro que havia se desgrudado de alguma boiada. O que se ouviam naquele instante eram apenas o aboio dos vaqueiros e os mugidos descoordenados dos bois em agonia.
Pensava em visitar o meu amigo; ver como estava sua recuperação, se precisava de alguma ajuda; ver a sua esposa. Enquanto meditava, fechei um pouco os olhos e ao abri-lo deparei-me com ela. Estava linda como sempre, parada a minha frente. Os cabelos negros, esbandalhados, com uma pequena franja a cair sobre os olhos; olhos verdes e grandes, cheios de lágrimas, com uma preocupação latente, como se trouxessem um terror em seu íntimo; a pele macia toda suada, como se viesse apressada; os seios durinhos arfantes, como se o cansaço tomasse conta de si; as coxas firmes aparecendo por baixo do vestido branco que colava ao corpo; a sapatilha toda suja de lama, deixando aparecer os pezinhos frágeis.
Estava parada diante a mim; estatizada, me olhando enquanto retomava o fôlego. Eu não disse nada; levantei-me e deixei que me abraçasse fortemente, sentindo o seu corpo, ainda quente, tocar desesperado o meu. Meu coração disparava, mas eu procurava manter acalma. Com certeza não seria uma boa notícia.
Com os olhos cheios de lágrimas e os lábios carnudos bastante trêmulos – notei que evitava olhar diretamente para mim, e que tinha os lábios extremamente secos – disse-me baixinho:
- O Arnaldo sumiu!
Não sabia o que dizer. Como é que um homem decadente igual àquele poderia desaparecer do leito de um hospital? Ela também não saberia responder. Sentamo-nos os dois no banquinho. A rua vazia – a boiada passara e agora éramos ela, eu e o silêncio – segurei a sua mão, deixando cair sobre sua coxa. Ficamos quietos. Eu olhando-a, num sentimento dúbio; ela olhando o vazio, trêmula, insegura.
- Não se preocupe. Haveremos de procurá-lo. Não deve estar longe; no estado em que se encontra, não agüentaria.
Sua resposta me surpreendera. Não estava preocupada com o pobre diabo. Temia por mim, por minha segurança. Dissera que o Arnaldo sentia-se enciumado; pensava que tínhamos um caso. Alguém inventara e lhe dissera. Ela tentara dissuadi-lo daquele pensamento, mas não houvera jeito!
Meu coração estava disparado, mas ainda assim a ideia me veio à mente. Perguntei a ela se haviam sido mesmo os homens quem o tinham espancado. Ela não respondeu. Continuava segurando a minha mão; os olhos fixos no vazio, como se estivesse longe, pensando em coisas passadas. Olhou, subitamente, nos meus olhos. Vi que suas lágrimas haviam secado. Levantou-se e, antes de sair, disse:
- Tome cuidado; eu não agüentaria perdê-lo.
Não pude dizer qualquer palavra. Minhas pernas tremiam e não fui capaz de me levantar. Quis correr, pega-la nos braços; beijá-la longamente; levá-la para casa e fazê-la minha. Mas, agora, o problema era outro: o Arnaldo; o meu amigo Arnaldo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário