quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

LEMBRANÇAS DE UM MENINO

LEMBRANÇAS DE UM MENINO
LEMBRANÇAS DE UM MENINO






A brincadeira começava no quintal de casa. Brincávamos o Tinca, o Flávio, o Marquinhos e eu. Construíamos estradas em meio à terra dura; preparávamos os carrinhos; tirávamos os boizinhos e colocávamos nos curraizinhos que fazíamos com palitos de picolé.
Os tijolinhos fazíamos do barro que pegávamos próximo ao muro, debaixo do pé de corante e secávamos em caixinhas de fósforos. Depois de secos, enchíamos os caminhões e saíamos a perambular pelas pequeninas estradas, passando por riozinhos sem peixes ou jacarés, por casas vazias de vivalmas, por enormes pequenos campos floridos, até chegarmos ao ponto final: o ponto do qual havíamos partido.
Descíamos a carga de tijolos; construíamos muros, casas, prédios, grandes aglomerados empresariais. Enriquecíamos, então. Comprávamos bolas de meia; bolas de plástico; bolas de pano e jogávamos no grande pequeno campo do enorme estádio do meu quintal. Tínhamos que jogar dois de cada vez, para não superlotar o pobre do gramado de terra batida. Jogávamos clássicos futebolísticos; éramos Denílsons, Edmundos, Romários, Ronaldos; éramos meninos bons de bola!
Acabados os clássicos, pegávamos nossas potentes armas de brinquedo e corríamos os ladrões de nossa cidade-fantasma, povoada de cruéis assassinos e inescrupulosos vagabundos; todos fantasmas, pois também a cidade o era. Saíamos a vagar por outras plagas, até chegarmos à barragem oceano, então, brincávamos em suas margens, em suas areias brancas e banhávamos em sua água mansa e preguiçosa.
Todos crescemos, casamos, o Marquinhos foi embora. As brincadeiras ficaram sérias. Ninguém virou caminhoneiro, dono de olaria, jogador de futebol, polícia ou ladrão; mas a amizade arraigou-se e não cresceu. Ficou dentro de nós, ainda que longe e abstrata, dentro de nossa cabeça, de nossos corações, nas lembranças que vem e voltam. Enquanto isso, no noticiário faltam jogadores, os policiais fazem greves, os ladrões roubam demasiadamente e os caminhões trafegam por estradas intransitáveis. No fundo do quintal de minha lembrança, porém, os quatro meninos brincam despreocupados, enquanto minha mãe preparava um bolo de chocolate e uma chuva fina começa a cair pelos lados da velha saudade.

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