LEMBRANÇAS
DE UM MENINO
A brincadeira começava no quintal de casa. Brincávamos
o Tinca, o Flávio, o Marquinhos e eu. Construíamos
estradas em meio à terra dura; preparávamos os
carrinhos; tirávamos os boizinhos e colocávamos nos
curraizinhos que fazíamos com palitos de picolé.
Os tijolinhos fazíamos do barro que pegávamos próximo
ao muro, debaixo do pé de corante e secávamos em
caixinhas de fósforos. Depois de secos, enchíamos os
caminhões e saíamos a perambular pelas pequeninas
estradas, passando por riozinhos sem peixes ou jacarés, por
casas vazias de vivalmas, por enormes pequenos campos floridos, até
chegarmos ao ponto final: o ponto do qual havíamos partido.
Descíamos a carga de tijolos; construíamos muros,
casas, prédios, grandes aglomerados empresariais.
Enriquecíamos, então. Comprávamos bolas de meia;
bolas de plástico; bolas de pano e jogávamos no grande
pequeno campo do enorme estádio do meu quintal. Tínhamos
que jogar dois de cada vez, para não superlotar o pobre do
gramado de terra batida. Jogávamos clássicos
futebolísticos; éramos Denílsons, Edmundos,
Romários, Ronaldos; éramos meninos bons de bola!
Acabados os clássicos, pegávamos nossas potentes armas
de brinquedo e corríamos os ladrões de nossa
cidade-fantasma, povoada de cruéis assassinos e inescrupulosos
vagabundos; todos fantasmas, pois também a cidade o era.
Saíamos a vagar por outras plagas, até chegarmos à
barragem oceano, então, brincávamos em suas margens, em
suas areias brancas e banhávamos em sua água mansa e
preguiçosa.
Todos crescemos, casamos, o Marquinhos foi embora. As brincadeiras
ficaram sérias. Ninguém virou caminhoneiro, dono de
olaria, jogador de futebol, polícia ou ladrão; mas a
amizade arraigou-se e não cresceu. Ficou dentro de nós,
ainda que longe e abstrata, dentro de nossa cabeça, de nossos
corações, nas lembranças que vem e voltam.
Enquanto isso, no noticiário faltam jogadores, os policiais
fazem greves, os ladrões roubam demasiadamente e os caminhões
trafegam por estradas intransitáveis. No fundo do quintal de
minha lembrança, porém, os quatro meninos brincam
despreocupados, enquanto minha mãe preparava um bolo de
chocolate e uma chuva fina começa a cair pelos lados da velha
saudade.
Bons tempos!!!
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