A rua estava vazia. Do ponto em que estava era possível visualizar tudo o que se passasse por ali. Manhã triste, tempo fechado, espreitando alguma chuva inconveniente, talvez de vento ou granizo. As nuvens rodeavam a cidade e vinham fechando-se como que em redemoinho. Eu olhava tranquilo, sabedor de que não molharia, nem sofreria contrariações.
Ela veio correndo, de repente, como se surgisse feito uma miragem. O rosto todo em lágrimas, o coração a saltar pela boca. O cabelo todo esbandalhado a deixava mais bonita; os seios quase a saltarem para fora da blusinha; as coxas à mostra por baixo da saia curta. Estava suada, com o corpo todo molhado, como que desesparada.
Tive ímpeto de jogá-la sobre o banco e possuí-la ali mesmo, sob as nuvens acinzentadas. A chuva começou a cair forte, com ventos e trovoadas. Esperei que ela tomasse fôlego e perguntei-lhe por que aquele destempero. Disse-me que era o Arnaldo; vinham ambos pela rua, quando mexeram com ela, pobrezinha! O homem revidou, quis tomar satisfação com os outros. Bateram-lhe sem dó e agora ele estava no hospital. Não sabia se resistiria.
Meu coração pulou forte no peito. Não sei se de alegria ou tristeza. Olhei para ela em minha frente, toda poderosa, com os olhos em lágrima e o peito ainda arfante. Lembrei-me do Arnaldo, com sua humildade irritante, jogado sobre a cama de um hospital, decadente, em risco, sem saber se viveria ou morreria.
Não tive dó do homem. Penei pela esposa. Ainda jovem, cheia de vida; com um homem inválido, mais humilde ainda! Pensei abraçá-la; pedir para que ficasse, descansasse; esperasse que Deus fizesse o melhor ( para ela, ou para mim?). Não disse nada. Levantei-me, fui até a estante, peguei uma branquinha com remédio e, firme, falei:
"Pode deixar o homem lá. As despesas são por minha conta!"
Sentei-me novamente no banco e pus-me a fazer um grosso cigarro de pelha, enquanto via a mulher descer os degraus e subir a rua com o seu rebolado malemolente, até desaparecer por detrás dos grandes pingos de chuva.
Assim que ela saísse, se fosse comigo eu falaria, morre logo seu Arnaldo, ficar sofrendo pra que, mas lógico com muita dó do moço.
ResponderExcluirRenato Cheloni