domingo, 15 de abril de 2012

A VELHINHA NA JANELA


A VELHINHA NA JANELA



Da janela de sua casa a mulher olhava a vida passando. E isso se deu durante cem anos exatos. De início era uma cidadezinha sem vergonha, minúscula, sem maiores sonhos e pretensões. Depois vieram as modernidades: os carros de boi, os grandes cavalos manga-larga e as tropas com mais de mil cabeças de gado.
Fizesse chuva ou sol, lá estava ela; com seu lenço encardido na cabeça, escorada na, já velha, janela de madeira. As mocinhas de antigamente passavam acompanhadas dos pais, para ir à missa ou ao circo, que ora ou outra apareciam por aquelas plagas. Depois, deixaram os pais em casa e passaram a andar sozinhas, não mais iam à missa ou ao circo; caminhavam para os bailinhos, para as festinhas, para as baladas.
Os homens andavam de terno e gravata e conversavam com polidez, cheios de respeito e esmero. Depois, passaram a envergar calças jeans e camisetas; bermudas e sandálias; falavam gírias e usavam drogas. Já não cumprimentavam as damas, mas davam pegas nas minas que rebolavam pelas ruas.
Durante todo este tempo era aquela mulher a mais fiel espectadora daquelas ruas e suas histórias. Ninguém nunca a tinha avistado ali, mas ela conhecia todo mundo, toda a cidade como a palma de sua mão. Sabia das qualidades e dos defeitos de cada um. Não falava nada, não era do seu feitio; apenas observava, olhava tudo como se fosse a sua única tarefa e, candidamente, dava-se apenas ao trabalho de concordar ou não com algum acontecimento. Resguardando-se ao direito de balançar a cabeça positiva ou negativamente.
A cidade estava mudada. Não havia mais o respeito, a polidez, os encantos dos primeiros anos. Sentia-se cansada, mas restava-lhe ainda a esperança de que um dia tudo pudesse voltar ao normal, à magia que havia antigamente. Junto de si chegaram o asfalto, a internet, os carros e a poluição. Tudo isso ainda podia agüentar. Mas eis que, numa manhã de sol, bem de frente à sua janela, estacionaram dois belos carros, de onde desceram quatro casais. Quase que sem roupas, todos com brincos e pirciengs e tatuagens espalhados pelo corpo. Abriram o capô do carro e ligaram todo o som em último volume.
Ela não disse nada, nem deu qualquer sinal de negação. Fechou a janela e candidamente se recolheu. Ninguém teve qualquer notícia sua, também ninguém deu por sua falta. A rua se encheu de rapazes e moças e de dentro do automóvel saltavam músicas novas, barulhentas e sem qualquer poesia. Coisas que aquela mulher, durante cem anos, não pensar em escutar; não em sua cidade. 

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