quinta-feira, 29 de maio de 2014

A VELHA

Sentada de frente à penteadeira, ela penteava os seus cabelos e lembrava-se de quando era jovem. Os cabelos, agora brancos, já foram negros, quase como as asas da graúna, assim como o seu coração já fora duro, como a mais dura rocha que se pode encontrar. E, enquanto se penteava, uma lágrima, solitária e preguiçosa, descia pelo seu resto, passeando pelas rugas de uma pele que antes fora a mais macia e cobiçada dentre todas as mocinhas de quinze anos.

E a sua lembrança veio à mente. Dos seus olhos tristes, em quando se separaram; do seu sorriso sem jeito; dos seus olhos cheios de lágrimas. Ela sorria, enquanto ele, cabisbaixo, descia a rua, com suas roupas dentro de uma velha sacola de supermercado.  Ela não o amava. Não com todo aquele ardor, não naquele momento. Depois, quando já não podia tê-lo, bateu a saudade, veio a dor. Veio a sensação de que aquele era o seu amor.

Ele já não existe. Vivera a vida, ainda que tristemente, buscando sonhos, iludindo-se pela vida a fora. Ela, sentada de frente à penteadeira, escovava os longos e lisos cabelos brancos, enquanto as lembranças povoavam a sua mente. Lembrava-se do seu corpo sobre o dela, das suas bocas se tocando, dos seus olhos brilhando, como se tudo aquilo fosse apenas um sonho eterno. Mas tudo se acabara.

A enfermeira viera buscá-la. Não disse qualquer palavra; deixou que a levassem para o banho de sol, naquela manhã fria de Julho. Numa árvore próxima, um passarinho parecia observá-la. E ela pode ver, os olhos dele eram tristes, como de alguém que tivesse amado e se desiludido; como de alguém que se jogara de cabeça e se machucara. De novo uma lágrima desceu dos seus olhos. Ela passou a mão sobre o seu rosto enrugado e pensou que nada daquilo valera a pena. Nada.

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