O livro sobre a mesa parece querer se abrir,
enquanto, lá fora, o vento entorta a copa das árvores e os pássaros
equilibram-se na vida. Assim também somos nós, pobres e desiludidos mortais,
sempre a equilibrar-nos sobre a vida, enquanto todas as páginas dos livros se
abrem à nossa frente. É verdade que às vezes os lemos; mas, quase sempre,
fechamo-nos em nossas pequenas cavernas, com nossos mitos e nossas crenças.
Foi este pensamento que me atacou quando me vieram
dizer sobre o aparecimento do Arnaldo. Eu sempre soube que ele estivesse vivo,
embora os homens teimem que tudo o que viram fora a sua alma penada. Foi pelos
lados da casa velha, quando eles iam à espera, cada um com sua arma em punho e
o coração aos pulos. Era o amigo, que voltara, eu sei que era.
Disseram que ele estava assentado sobre uma grande
pedra, aquela que fica bem de frente à casinha; fumando um enorme cigarro de
palha. Ainda tentaram pegá-lo; mas o homem é rápido como uma flecha e deixara
apenas raios atrás de si, como se soltasse fogos pelo rabo. Os homens tiveram medo daquela visagem e
voltaram a me ver. Não acredito em fantasmas; por isso, tenho certeza da sua
volta, e, de arma em punho, vou ao seu encalço.
A vida é um eterno equilibrar-se sobre os fatos. O
meu amigo Arnaldo era dado como morto por todos daqui; até mesmo a sua minha
esposa já estava aceitando o seu fim. Agora, com a chegada desta nova notícia,
vejo que um fogo fátuo brota no seu peito e o espanto se desenha em sua face.
Também não pude deixar de pôr reparo na felicidade estampada na cara da
Carminha. Ela ainda está por aqui e deita-se comigo sempre que a minha esposa
do Arnaldo não esteja por perto.
É verdade, sinto saudades ainda do meu amigo. Queria
revê-lo, apertar a sua mão e dar-lhe o mais terno dos abraços, como fazíamos em
outros tempos. Mas este livro que teima em querer-se abrir, as árvores
balançando no quintal e os pássaros cantarolando em suas copas... Melhor que o
revólver esteja pronto e que as almas estejam do meu lado. Pois que nada será
como dantes.
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