O
frio chegou de vez por estas bandas. Ao andar pela orla da lagoa, é possível
sentir a brisa fria que arrepia a pele e esfria a alma do pobre mortal. Até por
isso, tenho saído pouco de casa, preferindo um bom chocolate quente, um
cobertor e os jogos da Copa do Mundo. Mas, não tem jeito, os fatos me procuram.
E tenho que contá-los.
A
noite caíra fria neste domingo, com um ventinho irritante vindo da lagoa. No
quintal, apenas o pato observava a lua cheia, como que a espera do seu, sempre
longe, grande amor. De repente, uma voz veio da rua, bêbada, trêmula,
apaixonada, como que suplicando pela compaixão da mulher amada. E a amada se
chamava Gilda.
Escorado
junto à cerca, passei a observar a cena tragicômica: um pobre diabo, deitado na
terra dura, falando ao celular. Do outro lado, Gilda, a mulher amada, devia estar
sorrindo de tudo aquilo, ou, quem sabe, também chorava pela distância do seu
amado. Talvez ela o quisesse também, mas, por causa de um pai insensível, de um
marido irritante, não o pudesse amar. Mas ela o escutava, enquanto eu
compadecia da sua dor.
- Gilda,
você está me escutando?! – E a voz do homem, já embargada pelo amor e a bebida,
continuava, sem reticências, como se o coração falasse por si.
- Eu
vou te esperar, Gilda. Te espero até a meia-noite. Eu moro com você; te levo
pro meu barraco. Eu te amo, Gilda...
A
mulher parecia corresponder ao amor do seu Romeu; mas, talvez pelo frio que
fazia àquela hora, ou por algum motivo de maior monta, resistia em encontrá-lo.
Mas o herói não desistia, e continuava o seu discurso:
-
Minha moto quebrou, Gilda. Eu tenho 22 reais e um bicicleta... E eu te amo,
Gilda. Quero ficar com você, Gilda...Eu vou te esperar por meia hora, Gilda...
Gilda, você está me escutando Gilda?...
A mulher ainda o
escutava e, acredito eu, as lágrimas também desciam dos seus olhos, do outro
lado da linha. Mas, Gilda era uma mulher comprometida, com filhos e animais
para cuidar. Gilda não podia largar tudo e sair pelo mundo, ainda mais àquela
hora, daquele jeito. Melhor mesmo que Gilda não viesse. Que ele ficasse ali,
deitado no chão duro, tomado pela bebida e pela paixão platônica, à espera de
Gilda e seus encantos, enquanto a lua o olhava lá de cima, fria, fria.