segunda-feira, 16 de junho de 2014

GILDA

O frio chegou de vez por estas bandas. Ao andar pela orla da lagoa, é possível sentir a brisa fria que arrepia a pele e esfria a alma do pobre mortal. Até por isso, tenho saído pouco de casa, preferindo um bom chocolate quente, um cobertor e os jogos da Copa do Mundo. Mas, não tem jeito, os fatos me procuram. E tenho que contá-los.

A noite caíra fria neste domingo, com um ventinho irritante vindo da lagoa. No quintal, apenas o pato observava a lua cheia, como que a espera do seu, sempre longe, grande amor. De repente, uma voz veio da rua, bêbada, trêmula, apaixonada, como que suplicando pela compaixão da mulher amada. E a amada se chamava Gilda.

Escorado junto à cerca, passei a observar a cena tragicômica: um pobre diabo, deitado na terra dura, falando ao celular. Do outro lado, Gilda, a mulher amada, devia estar sorrindo de tudo aquilo, ou, quem sabe, também chorava pela distância do seu amado. Talvez ela o quisesse também, mas, por causa de um pai insensível, de um marido irritante, não o pudesse amar. Mas ela o escutava, enquanto eu compadecia da sua dor.

- Gilda, você está me escutando?! – E a voz do homem, já embargada pelo amor e a bebida, continuava, sem reticências, como se o coração falasse por si.

- Eu vou te esperar, Gilda. Te espero até a meia-noite. Eu moro com você; te levo pro meu barraco. Eu te amo, Gilda...

A mulher parecia corresponder ao amor do seu Romeu; mas, talvez pelo frio que fazia àquela hora, ou por algum motivo de maior monta, resistia em encontrá-lo. Mas o herói não desistia, e continuava o seu discurso:

- Minha moto quebrou, Gilda. Eu tenho 22 reais e um bicicleta... E eu te amo, Gilda. Quero ficar com você, Gilda...Eu vou te esperar por meia hora, Gilda... Gilda, você está me escutando Gilda?...

A mulher ainda o escutava e, acredito eu, as lágrimas também desciam dos seus olhos, do outro lado da linha. Mas, Gilda era uma mulher comprometida, com filhos e animais para cuidar. Gilda não podia largar tudo e sair pelo mundo, ainda mais àquela hora, daquele jeito. Melhor mesmo que Gilda não viesse. Que ele ficasse ali, deitado no chão duro, tomado pela bebida e pela paixão platônica, à espera de Gilda e seus encantos, enquanto a lua o olhava lá de cima, fria, fria.

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