quarta-feira, 2 de novembro de 2016

APENAS UMA QUESTÃO DE TEMPO

A poeira da estrada vai subindo rapidamente, fazendo coçar os olhos e secar a boca. Ao longe, a enorme antena de celular está coberta por nuvens escuras, que talvez nem cheguem ao seu encontro. Fecha rapidamente a janela, para que o carro que vem em sentido contrário não encha o interior de terra. Os buracos não permitem tanta correria, ainda assim, aquele veículo parece nem tocar o chão. Pequeninas pedras batem no vidro e as costelas fazem todo o carro tremer.

Liga o som e uma mulher começa a cantar uma música triste. Através do insulfilme,observa a paisagem ao seu redor. O carro vai devagar por causa das costelas, dos buracos, da poeira que ainda não baixou. Faz uma semana desde a última chuvarada, um temporal de quase uma hora. o mato rente à estrada já está sujo de terra novamente, mas, ao longe é possível vislumbrar o verdejar da natureza. Tenta se alegrar com aquela cena, mas lembra-se de que tudo aquilo é pura artificialidade.

Só agora observa: tudo aquilo é eucalipto, o ouro verde do sertão. Todos os dias passando pela mesma estrada e só agora vislumbra a tragédia: uma parte da estrada está tomada pelo eucalipto, enquanto a outra já vem se transformando num enorme e impiedoso deserto. A mulher continua cantando no rádio, todas as suas músicas são tristes, ilustrando a cena que vê do seu carro. Parece que está chovendo na antena. Lá não existem eucaliptos. Ainda não existem.

Um dia, conversando com um amigo, alertara-o sobre o perigo da desertificação por causa do desmatamento da mata nativa e a, conseguinte, plantação do ouro verde. Friamente, dissera-lhe o interlocutor que "se nós não desmatamos e plantamos, outros o farão; ganhando o dinheiro que seria nosso". Certamente. Se um não faz outro fará; e esse é o problema da nossa sociedade. 

A chuva começa a bater no para-brisas do carro. Olha para os lados, os eucaliptos desapareceram. Apenas a vegetação natural toma conta do lugar: mangabeiras, pequizeiros, jacarandás, gameleiras, coqueiros ... A mulher continua cantando e ele lembra-se, então, que tudo aquilo é apenas uma questão de tempo.

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