quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

AS FILOSOFIAS NATALINAS DO ARNALDO



            As lembranças do Arnaldo ainda batem de vez em quando. Com a chegada do Natal, lembro-me das vezes em que ele vinha a casa tomar um vinho e comer as guloseimas dessa data. É bem verdade que nunca tive queda para essas comidas comemorativas; assim, em vez de peru e Panetone, comíamos frango com quiabo e queijo com goiabada. O Arnaldo quase não comia, mas nunca negara alguns copos de vinho.
            De praxe, o meu amigo era cabisbaixo, um Quasímodo ensimesmado. No verdadeiro sentido do homem, quase o chegava a comparar a Paulo, um pequeno ser na sua total insignificância e, nas suas palavras, um Cláudio, que nunca se encorajava a pronunciar-se. Após alguns copos de vinho, porém, Arnaldo se transformava num filósofo extremado, ainda que sem perder a sua infante ingenuidade.
            Durante as várias festividades do ano, o amigo e sua esposa passavam em minha casa, mas, era no Natal que ficavam por mais tempo. Conversávamos sobre religiosidades e coisas de Humanidade e respeito ao próximo. A sua esposa ficava a um canto bebericando prazerosamente o Pérgola, enquanto me olhava e entrecruzava as pernas.
            Dentre as tantas filosofias do amigo, chamava a minha atenção o seu pensamento sobre o ser humano. Com seu jeito rústico e um eterno pedido de desculpas aparente nos olhos, Arnaldo dizia ser o homem o pecado do mundo; que o homem é o próprio pecado, travestido de damas e cavalheiros. E dizia ainda que se não houvesse os homens nunca haveria de ter tanto sofrimento no mundo.
            Ainda hoje me ponho a refletir sobre os dizeres do amigo. Prostrado nesta rede, ainda me lembro do Arnaldo sentado no velho banco e a esposa ao canto, com suas belas pernas e seus olhos de Capitu. Talvez ele tivesse razão: o homem é mesmo o pecado do mundo. E nesta época de tantas frescuras e ladainhas, que bom seria se não houvesse homens. Tudo seriam bichos, animais em sua mais perfeita forma, sem maldade, sem falsidades, sem disse-me-disse.
            Nesta época, sinto o meu coração mais amolecido. Lembro-me do Arnaldo, da nossa infância, da aventuras juvenis, das longas conversas na varanda. Seguro-me para que as lágrimas não me desçam dos olhos. A sua minha esposa parece se aperceber do meu sofrimento e se apressa na cozinha. Sinto o cheiro da galinha quase pronta, enquanto beberico mais um gole de cachaça. O vinho foi suspenso, para não mais trazer a lembrança do amigo.  

              
           

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