As
lembranças do Arnaldo ainda batem de vez em quando. Com a chegada do Natal,
lembro-me das vezes em que ele vinha a casa tomar um vinho e comer as
guloseimas dessa data. É bem verdade que nunca tive queda para essas comidas comemorativas;
assim, em vez de peru e Panetone, comíamos frango com quiabo e queijo com
goiabada. O Arnaldo quase não comia, mas nunca negara alguns copos de vinho.
De
praxe, o meu amigo era cabisbaixo, um Quasímodo ensimesmado. No verdadeiro
sentido do homem, quase o chegava a comparar a Paulo, um pequeno ser na sua
total insignificância e, nas suas palavras, um Cláudio, que nunca se encorajava
a pronunciar-se. Após alguns copos de vinho, porém, Arnaldo se transformava num
filósofo extremado, ainda que sem perder a sua infante ingenuidade.
Durante
as várias festividades do ano, o amigo e sua esposa passavam em minha casa,
mas, era no Natal que ficavam por mais tempo. Conversávamos sobre
religiosidades e coisas de Humanidade e respeito ao próximo. A sua esposa
ficava a um canto bebericando prazerosamente o Pérgola, enquanto me olhava e
entrecruzava as pernas.
Dentre
as tantas filosofias do amigo, chamava a minha atenção o seu pensamento sobre o
ser humano. Com seu jeito rústico e um eterno pedido de desculpas aparente nos
olhos, Arnaldo dizia ser o homem o pecado do mundo; que o homem é o próprio
pecado, travestido de damas e cavalheiros. E dizia ainda que se não houvesse os
homens nunca haveria de ter tanto sofrimento no mundo.
Ainda
hoje me ponho a refletir sobre os dizeres do amigo. Prostrado nesta rede, ainda
me lembro do Arnaldo sentado no velho banco e a esposa ao canto, com suas belas
pernas e seus olhos de Capitu. Talvez ele tivesse razão: o homem é mesmo o
pecado do mundo. E nesta época de tantas frescuras e ladainhas, que bom seria
se não houvesse homens. Tudo seriam bichos, animais em sua mais perfeita forma,
sem maldade, sem falsidades, sem disse-me-disse.
Nesta época, sinto o meu coração mais
amolecido. Lembro-me do Arnaldo, da nossa infância, da aventuras juvenis, das
longas conversas na varanda. Seguro-me para que as lágrimas não me desçam dos
olhos. A sua minha esposa parece se aperceber do meu sofrimento e se apressa na
cozinha. Sinto o cheiro da galinha quase pronta, enquanto beberico mais um gole
de cachaça. O vinho foi suspenso, para não mais trazer a lembrança do amigo.
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