sexta-feira, 28 de abril de 2017

O ENTERRO DE JUCA PESSOA


Entremeando o rosário e as ladainhas, apenas o silêncio. Eram poucos os que acompanhavam o féretro; gente simples, amigos do falecido. Todos ali se sentiam tristes, como acontece em todo velório, mas, apenas Francisca chorava.  E fazia-o copiosamente, sendo amparada por duas velhinhas de cara cansada. Ela tinha os pés descalços e vestia-se com um gasto vestido branco que deixava transparecer suas formas de menina-moça, com os seios durinhos e as coxas grossas.

O padre ia junto do caixão, o suor lhe escorrendo pela testa, quase cozinhando debaixo da batina. Francisca ia à sua frente, e isso lhe causava ainda mais calor. Às vezes, olhava para cima, como que a procura de alguma nuvem que lhe abrandasse o calor daquele dia; mas não choveria, não haveria de chover por um longo tempo. A falta de chuva, a fome, as guerras familiares, tudo isso seriam o carma daquele povo. Feliz era o defunto, que descansava de tudo aquilo.

Nos botecos, homens bebiam suas tristezas e, quando avistavam o caixão, punham o copo sobre o balcão, tiravam o chapéu da cabeça e benziam-se em respeito ao morto. Depois, voltavam às suas tristezas e abrandavam-se nas bebidas e piadas chulas. Ainda assim, enquanto o féretro partia, falavam de Francisca e o seu futuro, conjecturavam a sua virgindade e apostavam sobre quem haveria de quebrar o seu cabaço.


Juca não escutava nem sentia aquelas falsidades e debilidades humanas. Vestido da sua roupa domingueira, as mãos postas ao peito, a barba feita e em completa falta de sentimentos, dormia tranquilamente no caixão, sem saber se um dia voltaria, sem se preocupar com o futuro de Francisca; sem nem mesmo agradecer aos préstimos de Meneandro ou tomar um último trago de pinga com o padre. Apenas descansava e deixava que o levassem pela Coronel, naquele sol escaldante de dezembro.  

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