Da janela da velha casa, o
homenzinho observava a mulher que subia a rua com o menino escanchado nas suas
ancas. Era uma mulher jovem, quase uma balzaquiana, de longos cabelos negros e
olhos cansados. O menino já era grande, talvez contasse os seus cinco ou seis
anos de idade, gordinho e preguiçoso.
O homenzinho, já velho e
adoecido, observava a rua todos os dias e, sempre via as incongruências que a
vida pregava aos transeuntes: a mulher cansada que carregava o menino gordo no
colo, o velhinho que sempre subia a rua puxando uma enorme carroça com
papelões, as crianças que durante todo o dia pediam esmolas no semáforo da
esquina ou roubavam na esquina do semáforo, as mulheres que se prostituíam
todas as noites na mesma esquina...
Um dia, quando o homenzinho
conversava com outro velho da rua debaixo, ouviu de um rapazinho que passava
falando ao celular que o problema da sociedade eram os velhos, peso morto, um
estorvo social. O outro velho, indignado, disse que o problema eram os jovens,
que não valorizavam a sabedoria dos antigos. Uma mulher, que passava apressada,
gritou, já quase chegando ao outro lado da rua, que o problema eram os
políticos, que nunca pensavam no bem do povo.
O homenzinho, sempre quieto
no seu canto, com vergonha até mesmo da sua existência, lembrou-se da mulher
carregando o menino gordo e preguiçoso, do velhinho puxando a carroça, das
crianças que pediam e roubavam, das mulheres que se prostituíam e, ainda que
silenciosamente, apenas para si próprio, vaticinou: “A culpa é da sociedade, que
não tem mais jeito”.
Durante todos os outros
dias, toda a rua continuou como dantes, com os mesmos problemas, as mesmas
injustiças e os mesmos erros. Todos os transeuntes continuavam a sua triste
caminhada e ninguém notou o sumiço do homenzinho. Nem mesmo o velho da rua
debaixo, que nunca mais voltara àquela janela.
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