quinta-feira, 27 de abril de 2017

O HOMENZINHO

Da janela da velha casa, o homenzinho observava a mulher que subia a rua com o menino escanchado nas suas ancas. Era uma mulher jovem, quase uma balzaquiana, de longos cabelos negros e olhos cansados. O menino já era grande, talvez contasse os seus cinco ou seis anos de idade, gordinho e preguiçoso.

O homenzinho, já velho e adoecido, observava a rua todos os dias e, sempre via as incongruências que a vida pregava aos transeuntes: a mulher cansada que carregava o menino gordo no colo, o velhinho que sempre subia a rua puxando uma enorme carroça com papelões, as crianças que durante todo o dia pediam esmolas no semáforo da esquina ou roubavam na esquina do semáforo, as mulheres que se prostituíam todas as noites na mesma esquina...

Um dia, quando o homenzinho conversava com outro velho da rua debaixo, ouviu de um rapazinho que passava falando ao celular que o problema da sociedade eram os velhos, peso morto, um estorvo social. O outro velho, indignado, disse que o problema eram os jovens, que não valorizavam a sabedoria dos antigos. Uma mulher, que passava apressada, gritou, já quase chegando ao outro lado da rua, que o problema eram os políticos, que nunca pensavam no bem do povo.

O homenzinho, sempre quieto no seu canto, com vergonha até mesmo da sua existência, lembrou-se da mulher carregando o menino gordo e preguiçoso, do velhinho puxando a carroça, das crianças que pediam e roubavam, das mulheres que se prostituíam e, ainda que silenciosamente, apenas para si próprio, vaticinou: “A culpa é da sociedade, que não tem mais jeito”.


Durante todos os outros dias, toda a rua continuou como dantes, com os mesmos problemas, as mesmas injustiças e os mesmos erros. Todos os transeuntes continuavam a sua triste caminhada e ninguém notou o sumiço do homenzinho. Nem mesmo o velho da rua debaixo, que nunca mais voltara àquela janela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário