Fazia mais de mês que
chovia sem parar e agora era uma chuva grossa, cheia de raios e muitas
trovoadas. As roças já haviam sido quase todas perdidas – as que não morreram
afogadas foram levadas, violentamente, pelas constantes enchentes que tomaram o
leito do Sanharó - as roupas já não podiam ser lavadas e as paredes de adobe
começavam a derreter por causa muitos pingos que nelas precipitavam. A virada
do ano, que antes era comemorada com fogos e danças, desta vez passou sem que
ninguém pudesse aproveitar. Os pássaros há tempos não cantavam e vários já
tinham sido mortos, por fome e frio ou por se afogarem nos ninhos cobertos de
água; os veados e capivaras procuravam lugares seguros para se esconderem e os
lobos-guará passavam noites inteiras uivando sem parar, com medo de tanta chuva.
O sertanejo é, por força do hábito, um messiânico, e, logo, alguns já
diziam que o mundo já estava por se acabar; primeiro seria a forte chuva que
não cessava, depois seria o fogo que tomaria conta de todo aquele sertão.
Alguns se punham a rezar pelos santos de devoção e pelas tantas almas do
purgatório, outros pensavam em aproveitar o resto dos seus dias e, por assim
pensarem, saíam a vadiar pelos matos, como se fossem loucos andando pelo mundo
sem um rumo certa a seguir, outros, ainda, preferiam não acreditar em nada do
que se dizia e continuavam as suas
vidinhas pachorrentas. Os sonhos eram os únicos companheiros do sofrido
sertanejo e a esperança era a única que ainda os mantinha parados, estagnados,
naquele lugar.
Luzia
e Margarida se punham sempre a rezar, enquanto os homens jogavam baralho ou
falavam besteiras ao déu e as crianças andavam sempre atrás de Bento, esperando
alguma mensagem do anjo da guarda, coisa que muito raramente, ou, quase nunca,
lhes acontecia. E o único que parecia estar feliz era o rio, que, encorpado,
brincava sozinho por entre suas margens, enquanto cantava melodias de roda e
chamava o sertanejo, seu irmão, para juntos brincarem nas suas águas rebentadas.
Um
dia, enquanto ainda era muito cedo e todo mundo dormia, a cabeça de Loriano
doía e ele podia escutar o chamado do rio, que o convidava para banhar-se nas
suas águas. Tinha muita vontade de pular naquelas águas e sentir de novo o seu
abraço forte, enquanto deixava ali todo o seu cansaço, mas lembrou-se de
Justino, de Margarida e as crianças, benzeu-se por três vezes e deitou-se
novamente.
A chuva era fina e a dor de cabeça aumentava
ainda mais o seu sofrimento. Embrulhou-se dos pés até a cabeça e começou a
conversar sozinho, para que não ouvisse mais aqueles gritos que lhe tentavam e
causavam medo em seu coração. De repente, ele soltou um grito estridente e,
enquanto corria, repetia a mesma ladainha:
-Vô imbora; socorro meu Deus! Vô imbora:
socorro meu Deus... E ele corria desgovernado, quebrando matos e escorregando
pelo lado contrário do rio Sanharó. Justino e Gentil conseguiram acompanhá-lo
por algum tempo, mas já estavam velhos para toda a juventude de Loriano.
Voltaram sozinhos para casa e a chuva engrossava novamente. Loriano
enlouquecera-se de vez; Margarida resignou-se com sua tristeza e rezava por ele
todas as noites em suas orações e novenas. Era mês de janeiro; o rio, todo
encorpado, brincava sozinho em suas margens e, vez ou outra, parecia parar para
ver tudo o que acontecia naquela casinha.
Sem comentário e como comentar.
ResponderExcluirO autor coloca em evidência a natureza impetuosa,usa de figura de linguagem como a prosopopeia,ao referir-se ao rio.Riqueza de detalhes que agigantam o descrever.O autor é criativo e detalhista.Bela descrição em Sanharó.
ResponderExcluirO Sanharó é como encontrar uma ilha em um mar bravio.
ResponderExcluirAguardo final do próximo capítulo.Gosto da linguagem simples do povo sertanejo.
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