sábado, 22 de julho de 2017

SANHARÓ (CAPÍTULO 11)

Fazia mais de mês que chovia sem parar e agora era uma chuva grossa, cheia de raios e muitas trovoadas. As roças já haviam sido quase todas perdidas – as que não morreram afogadas foram levadas, violentamente, pelas constantes enchentes que tomaram o leito do Sanharó - as roupas já não podiam ser lavadas e as paredes de adobe começavam a derreter por causa muitos pingos que nelas precipitavam. A virada do ano, que antes era comemorada com fogos e danças, desta vez passou sem que ninguém pudesse aproveitar. Os pássaros há tempos não cantavam e vários já tinham sido mortos, por fome e frio ou por se afogarem nos ninhos cobertos de água; os veados e capivaras procuravam lugares seguros para se esconderem e os lobos-guará passavam noites inteiras uivando sem parar, com medo de tanta chuva.

     O sertanejo é, por força do hábito, um messiânico, e, logo, alguns já diziam que o mundo já estava por se acabar; primeiro seria a forte chuva que não cessava, depois seria o fogo que tomaria conta de todo aquele sertão. Alguns se punham a rezar pelos santos de devoção e pelas tantas almas do purgatório, outros pensavam em aproveitar o resto dos seus dias e, por assim pensarem, saíam a vadiar pelos matos, como se fossem loucos andando pelo mundo sem um rumo certa a seguir, outros, ainda, preferiam não acreditar em nada do que se dizia e continuavam  as suas vidinhas pachorrentas. Os sonhos eram os únicos companheiros do sofrido sertanejo e a esperança era a única que ainda os mantinha parados, estagnados, naquele lugar.

            Luzia e Margarida se punham sempre a rezar, enquanto os homens jogavam baralho ou falavam besteiras ao déu e as crianças andavam sempre atrás de Bento, esperando alguma mensagem do anjo da guarda, coisa que muito raramente, ou, quase nunca, lhes acontecia. E o único que parecia estar feliz era o rio, que, encorpado, brincava sozinho por entre suas margens, enquanto cantava melodias de roda e chamava o sertanejo, seu irmão, para juntos brincarem nas suas águas rebentadas.

            Um dia, enquanto ainda era muito cedo e todo mundo dormia, a cabeça de Loriano doía e ele podia escutar o chamado do rio, que o convidava para banhar-se nas suas águas. Tinha muita vontade de pular naquelas águas e sentir de novo o seu abraço forte, enquanto deixava ali todo o seu cansaço, mas lembrou-se de Justino, de Margarida e as crianças, benzeu-se por três vezes e deitou-se novamente.

 A chuva era fina e a dor de cabeça aumentava ainda mais o seu sofrimento. Embrulhou-se dos pés até a cabeça e começou a conversar sozinho, para que não ouvisse mais aqueles gritos que lhe tentavam e causavam medo em seu coração. De repente, ele soltou um grito estridente e, enquanto corria, repetia a mesma ladainha:


           -Vô imbora; socorro meu Deus! Vô imbora: socorro meu Deus... E ele corria desgovernado, quebrando matos e escorregando pelo lado contrário do rio Sanharó. Justino e Gentil conseguiram acompanhá-lo por algum tempo, mas já estavam velhos para toda a juventude de Loriano. Voltaram sozinhos para casa e a chuva engrossava novamente. Loriano enlouquecera-se de vez; Margarida resignou-se com sua tristeza e rezava por ele todas as noites em suas orações e novenas. Era mês de janeiro; o rio, todo encorpado, brincava sozinho em suas margens e, vez ou outra, parecia parar para ver tudo o que acontecia naquela casinha.

4 comentários:

  1. O autor coloca em evidência a natureza impetuosa,usa de figura de linguagem como a prosopopeia,ao referir-se ao rio.Riqueza de detalhes que agigantam o descrever.O autor é criativo e detalhista.Bela descrição em Sanharó.

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  2. O Sanharó é como encontrar uma ilha em um mar bravio.

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  3. Aguardo final do próximo capítulo.Gosto da linguagem simples do povo sertanejo.

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