segunda-feira, 24 de julho de 2017

SANHARÓ (CAPÍTULO 13)

- Quero cantar e num posso. Quero mesmo é sair desse lugar sem graça! – Madalena veio resmungando da sala; talvez tivesse brigado com os irmãos, e, sempre que isso acontecia, vinha com os olhos cheios de lágrimas e um grande bico armado, como se fosse uma criança mimada.
      
Ela era uma criatura despojada. Não que fosse de toda bonita, tinha as pernas finas e as sobrancelhas longas e muito grossas, mas seu jeito era meigo, seu olhar era quente e sua simples presença fazia com que todo o ambiente se transformasse, era como se o pó de pirlimpimpim fosse jogado naquele lugar ou mesmo que a primavera desse o ar da sua graça no inverno dos outros corações. 
   
        Madalena não era a menina mais bonita daquele lugar e, apesar de alguns meneios de menina moça, via-se naquele rostinho ainda uma flor de criança pequena, quase prestes a desabrochar. E era fácil, apesar da pouca beleza no semblante, notar naquela menina inocente a bela moça que já estava quase por fazer. 

           Nunca se deu por preguiçosa. Às vezes, partia para a roça, onde plantava milho e colhia as bagens de feijão, mas como era tempo de chuva, ficava perturbada dentro de casa, ora procurando algo para fazer ora se entretendo em resmungar de tudo ou de todos. Nunca soubera esconder segredo algum, mas um dia havia descoberto que gostava de José, andava sempre ao lado dele, e sabendo que era muito pequena para aqueles assuntos, e com medo de que ele não a quisesse, contentou-se com o frio que vinha no coração todas as vezes que o encontrava.

         José era mais velho e sabia que gostava. Sempre fora de muita religião e pensava ser pecado namorar quando pequeno. Um dia, tendo ido muito cedo à igreja, ajoelhou-se ao pé de Santo Antônio e prometeu com toda fé que seria homem de esperar, e, quando ela fizesse as suas dezoito primaveras, teria-a só para si. Comprazia-se apenas em tê-la como amiga, embora sempre a tratasse de um jeito especial. Nunca dissera o seu segredo a ninguém, até que Bento o desvendasse em seus sonhos.

          Ambos olhavam aquela menina resmungando pela cozinha. José a olhava com ternura e, se pudesse, sairia correndo de onde estava e iria pegá-la nos braços, acariciaria os seus longos cabelos negros e lhe diria as mais lindas declarações de amor. Seu coração pulsava com força e seus olhos pareciam brilhar de paixão; já estava levantando quando Bento o fez sentar-se novamente, sentiu a face colorir-se, mas fixou toda a sua atenção ao amigo que lhe falava:

      - Lembra que ocê disse que é só quando ela completar os dezoito... ?

      - Tá certo, eu tinha quase que esquecido.

      - Pois bem, cê há de saber que promessa é uma dívida que se tem que pagar. Mais cedo ou mais tarde, se num fizer, alguém vem te cobrar.

        José sentia-se já bastante arrependido, mas sabia que tinha de cumprir o que havia prometido ao Santo Antônio, faria o que precisasse para aguentar aquela espera.

      - Sabe, Zé, sinto que agora é que a chuva tá mais forte e é de agora prá pouco que a minha vida tem de mudar.

      - Fala isso não, Bento. Cê me assusta desse jeito.

      - Num é de assustar não. É o destino, Zé. Só o destino é quem sabe.

         Os dois ficaram calados por algum tempo, até que alguém bateu palmas no terreiro. A chuva estava grossa e mal se podia divisar quem estava do lado de fora, e Justino foi atendê-lo:

       - Ô, de fora! Cê é amigo ou inimigo?

       - Sou amigo, sim senhor!


       - Uai, então entra pra cá. Vem descansar junto com nós e sai logo da chuva, que essa é de derrubar qualquer um.

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