- Quero cantar e num
posso. Quero mesmo é sair desse lugar sem graça! – Madalena veio resmungando da
sala; talvez tivesse brigado com os irmãos, e, sempre que isso acontecia, vinha
com os olhos cheios de lágrimas e um grande bico armado, como se fosse uma
criança mimada.
Ela era uma criatura
despojada. Não que fosse de toda bonita, tinha as pernas finas e as
sobrancelhas longas e muito grossas, mas seu jeito era meigo, seu olhar era
quente e sua simples presença fazia com que todo o ambiente se transformasse,
era como se o pó de pirlimpimpim fosse jogado naquele lugar ou mesmo que a
primavera desse o ar da sua graça no inverno dos outros corações.
Madalena não era a menina mais bonita daquele lugar e, apesar de alguns
meneios de menina moça, via-se naquele rostinho ainda uma flor de criança
pequena, quase prestes a desabrochar. E era fácil, apesar da pouca beleza no
semblante, notar naquela menina inocente a bela moça que já estava quase por
fazer.
Nunca se deu por preguiçosa. Às
vezes, partia para a roça, onde plantava milho e colhia as bagens de feijão,
mas como era tempo de chuva, ficava perturbada dentro de casa, ora procurando
algo para fazer ora se entretendo em resmungar de tudo ou de todos. Nunca
soubera esconder segredo algum, mas um dia havia descoberto que gostava de
José, andava sempre ao lado dele, e sabendo que era muito pequena para aqueles
assuntos, e com medo de que ele não a quisesse, contentou-se com o frio que
vinha no coração todas as vezes que o encontrava.
José era mais velho e sabia que
gostava. Sempre fora de muita religião e pensava ser pecado namorar quando
pequeno. Um dia, tendo ido muito cedo à igreja, ajoelhou-se ao pé de Santo
Antônio e prometeu com toda fé que seria homem de esperar, e, quando ela
fizesse as suas dezoito primaveras, teria-a só para si. Comprazia-se apenas em
tê-la como amiga, embora sempre a tratasse de um jeito especial. Nunca dissera
o seu segredo a ninguém, até que Bento o desvendasse em seus sonhos.
Ambos olhavam aquela menina
resmungando pela cozinha. José a olhava com ternura e, se pudesse, sairia
correndo de onde estava e iria pegá-la nos braços, acariciaria os seus longos
cabelos negros e lhe diria as mais lindas declarações de amor. Seu coração
pulsava com força e seus olhos pareciam brilhar de paixão; já estava levantando
quando Bento o fez sentar-se novamente, sentiu a face colorir-se, mas fixou
toda a sua atenção ao amigo que lhe falava:
- Lembra que ocê disse que é só quando ela completar os dezoito... ?
- Tá certo, eu tinha quase que esquecido.
- Pois bem, cê há de saber que promessa é uma dívida que se tem que
pagar. Mais cedo ou mais tarde, se num fizer, alguém vem te cobrar.
José sentia-se já bastante arrependido, mas sabia que tinha de cumprir o
que havia prometido ao Santo Antônio, faria o que precisasse para aguentar
aquela espera.
- Sabe, Zé, sinto que agora é que a chuva tá mais forte e é de agora prá
pouco que a minha vida tem de mudar.
- Fala isso não, Bento. Cê me assusta desse jeito.
- Num é de assustar não. É o destino, Zé. Só o destino é quem sabe.
Os dois ficaram calados por algum
tempo, até que alguém bateu palmas no terreiro. A chuva estava grossa e mal se
podia divisar quem estava do lado de fora, e Justino foi atendê-lo:
- Ô, de fora! Cê é amigo ou inimigo?
- Sou amigo, sim senhor!
- Uai, então entra pra cá. Vem descansar junto com nós e sai logo da
chuva, que essa é de derrubar qualquer um.
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