segunda-feira, 24 de julho de 2017

SANHARÓ (CAPÍTULO 15)

Paremos um instante, e façamos uma rápida análise daquele pequeno profeta; afinal, de nada nos adiantaria a pressa de chegarmos ao nosso destino se não tivéssemos a paciência e a inteligência necessárias para observarmos o que se passa em tão oportuna hora. Não digo para nos contentarmos com estas poucas páginas, pois sei que a sede de quem lê uma história é, de fato e razão, saber como se finda a questão; no entanto, andemos devagar e com os olhos atentos ao que por ventura possamos ver nas entrelinhas, e mantenhamos os ouvidos aguçados para que possamos escutar tudo aquilo que a nossa mente possa nos dizer.

Imagino que já deve estar a bocejar em sua poltrona, pois, talvez a história esteja desgastada e entediante, mas reafirmo (se é que já disse em algum ponto) que nem mesmo eu sei aonde deveremos chegar, não sou eu quem faz os personagens, mas, são eles que se criam por si mesmos e, por ser assim, seria injusto que o Leonel fosse diferente dos demais. Tenho ideias e fatos para escrever, no entanto eles é que se fazem dizer, da forma que lhes convier.

Seria utopia acreditar que todos os fatos aqui descritos sejam verossímeis, no entanto, ponho o dedo na ferida, e afirmo que todos os personagens, sem qualquer exceção, existem ou existiram, alguns permanecem aqui com o seu nome verdadeiro, enquanto outros ganharam novos nomes, feições e características diferentes, cabendo a você, leitor, descobrir o que é fato ou invenção nesta história; afinal, a vida é uma eterna desconfiança.

Digo que o Leonel existiu de fato e penso até que fosse um enviado daquele rio; talvez, ele o tenha escolhido para guiar a tarefa do pequeno Bento ao seu, ainda encoberto, destino. Certifico de que o rio era cúmplice daquele homem e, por isso, parara atencioso enquanto ele narrava a história, nenhuma gota de água se mexia, nenhum barulho saía daquele espelho d’água ; com certeza, ele sabia de tudo aquilo que seria dito e talvez buscasse apenas confirmar , com os seu próprios sentidos, de que tudo seria dito e que todo o emaranhado do destino se faria cumprir.

Já era noite no Sanharó e quase todos já tinham adormecido, apenas os dois patriarcas e os dois pequenos eram quem escutava aquela narrativa. Gentil e Justino, incrédulos como sempre , não levavam a sério aquilo que ele falava , tinham-no como doido, e o escutavam apenas para que o tempo passasse com maior rapidez, os garotos, contudo, eram tomados por distintas sensações; José sentia um grande medo tomar-lhe o peito, sabia que aquela era a história do seu amigo e, a cada novo fato narrado, tinha maior medo de perdê-lo; Bento, por sua vez, gozava de grande tranquilidade e, vez ou outra, sentia um pequeno arrepio tomar o seu corpo, era como se já soubesse de toda aquela história e visse, de frente a si, todo o seu futuro nas palavras daquele homem; não temia pelo que pudesse acontecer, apenas não queria esquecer àqueles a quem amava. O destino é o único que não cultiva amigos e, sabendo disso, Bento estava ciente que, ao atravessar a pinguela do rio , o que muito brevemente aconteceria, lembraria ainda daqueles que ficavam, no entanto, o tempo o faria esquecê-los e, sozinho no mundo, seria um único homem perdido no grande caminho da vida.

Algumas goteiras caíam das velhas telhas e miravam bem próximo de onde estavam aqueles homens, e era uma água fria que descia lentamente, fazendo um barulho trágico e medonho. Justino levantou-se para pegar uma vasilha que pudesse aparar aquela goteira entediante, enquanto Gentil preparava um grosso cigarro de palha, alisando-a com a ponta da língua e tendo em uma das mãos uma caixa de fósforos e um punhado de fumo já picado e apertado contar os dedos. As crianças nem se mexiam e concentravam toda a atenção nas palavras roucas e bem elaboradas que saltavam, mansamente, da voz daquele homem. Lá fora, junto com a chuva que teimava em cair, batia um vento forte e relâmpagos entrecortavam o céu como se fossem flashes e, como nas histórias de terror, davam um ar obscuro à história que saía como em conta-gotas da boca do profeta. Os cachorros latiam ferozmente no quintal tentando se esconder da chuva e aquilo causava uma grande irritação em José, que não conseguia se desligar daquele homem e que, mesmo pensando em Madalena, que dormia com Luzia no quarto dos fundos, ouviu quando Leonel pigarreou forte, para limpar a garganta, fez uma pequena pausa enquanto estralava os dedos de ambas as mãos, olhou para o tempo lá fora, através da velha janela de madeira entreaberta e, após piscar três vezes sem para, continuou a contar-lhes a história...


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