Num coqueiral, à beira do rio, uma jandaia-carrapicho construía
cuidadosamente o seu ninho, como se nada mais houvesse no mundo que lhe tivesse
maior importância do que aquele árduo serviço a que se prestava a cumprir com
grande esmero. Era grande o silêncio por entre os seios da mata, e, num pequeno
quarto, no fundo da velha casa de adobe, com telha comum e alguns buracos por
entre a parede, de onde surgiam ratos, baratas e outros bichos nojentos, uma
pequena família tinha dormido o sono dos que nada devem para muito se
preocupar. Bem perto daquela casa, no terreiro repleto de mangueiras e abacateiros,
quase na porta da cozinha, o rio corria devagar e alguém, que por ali passasse
se se atesse em olhar àquela cena, logo veria que ele quase parava para espiar,
curioso como ele só, para entender tudo aquilo que se passava, ou que estava
prestes a acontecer.
Gentil era um homem simples nos seus modos de ver e sentir tudo o que se
passasse ao seu redor e tratava a terra com se ela fosse mais um dos filhos
seus. O tempo era de grandes dificuldades. O serviço na roça era árduo e muito
pouco se colhia de todo aquele sofrimento. Junto dele estavam os filhos:
Jeremias, Bento e Luisinho, cada qual com sua enxada a cavoucar a terra,
tecendo glosas para que assim que viessem as primeiras chuvaradas, pudessem
plantar aquilo que seria todo o alimento para o sustento: Milho, arroz e feijão
de corda. A chuva, cada vez mais escassa, há tempos que não aparecia por ali,
mas como é do instinto do sertanejo, a esperança era renovada a cada primeira
nuvem negra que apontasse no céu, cismas de todo pequeno agricultor, como se um
futuro melhor dependesse apenas da vontade e da fé de cada um; fé que tomava
suas formas nas novenas, terços, cultos e outras manifestações, que a todo instante
se podia presenciar naquele recanto.
Aquele homem sempre tinha se mostrado forte e esperançoso, mas, o tempo
havia passado também para ele: tinha já os cabelos grisalhos, andava curvado,
como se o peso de todo aquele sofrimento recaísse somente sobre as suas costas
e sentia-se fraco, como se já não tivesse forças para lutar contra as tantas
contrariedades da vida. Agora, sentia-se fragilizado frente a tantas
adversidades, já começava a amadurecer em sua mente a vontade de ir-se embora,
procurar novos rumos para si e sua família; talvez pudesse pegar os outros e
sair pelo mundo, tentar a sorte noutro lugar.
Luzia se fizera gente ali, à beira do Sanharó, arraigara-se naquele
lugar; foi ali que ganhara todos os três filhos e, sempre que Gentil ameaçava
tocar no assunto do êxodo, sentenciava que só sairia daquele lugar depois que
lhe chegasse o descanso eterno. Ela se achava filha daquela terra, irmã do rio,
das plantas e dos bichos e sentia que tudo aquilo era, de fato, a sua vida. Iam,
pois, de jeito em jeito, de ajeito em ajeito, levando as suas pequenas vidas,
afinal, para tudo se arranja uma maneira de se levar.
A barriga crescia rapidamente e os enjoos eram mais fortes e frequentes,
mas se acostumara e não via neles motivos de manha ou preguiça. Os homens saíam
de casa quando ainda era madrugada e, desde então, a solidão era a sua única
companhia; evitava pensar, pois tinha medo de que lhe pudessem vir pensamentos
feios ou pecadores, além do mais, eles podiam atrasar-lhe o serviço de casa e,
sem pensar em nada, fazia rapidamente todo o serviço que lhe era necessário.
Era uma mulher disposta, levantava cedo, antes de todos os outros e logo preparava
o café da manhã; buscava água na cisterna para lavar as vasilhas do dia
anterior e dar o que beber aos porcos e cachorros; varria a casa com uma
vassoura velha de piaçava, preparava o almoço no fogão de lenha e levava as
marmitas na roça; às vezes ficava e ajudava-os, outras vezes voltava para casa,
para continuar o seu interminável serviço doméstico. Estava já tão acostumada
com aquele serviço diário que o fazia por instinto e já o tinha como parte de
si.
O sol estava muito quente e tudo em volta estava pachorrento e
preguiçoso. Os homens da casa, como de costume, tinham saído cedo para a roça e
ficaram apenas Luzia e suas indisposições, que desde a noite anterior começaram
a lhe atacar, eram um esmorecimento enjoado por todo o corpo e uma dorzinha de
cabeça que teimava em não querer parar, a barriga estava dura e já podia
senti-la bem baixa, quase ao ponto de dar cria. Sentia que a hora estava
chegando, mas era uma mulher que sabia quando era o momento de dizer alguma
coisa e não queria atrapalhar o serviço do marido com aquelas picuínhas de
dores, talvez o bebê pudesse esperar um pouco mais.
Durante todo o dia sentira alguns sintomas e, antes que Gentil e os
filhos chegassem, sentiu a bolsa estourar e de dentro dela descer um líquido
amarelecido e de um cheiro não muito bom de suportar; ela sabia: estava na hora
de dar à luz mais um filho. Rezou para Nossa Senhora do Bom Parto, Nossa
Senhora Aparecida, para o seu anjo da guarda e para todos os santos dos quais conseguia
se lembrar na hora da dor e, dentro de pouco tempo, sozinha na velha casa, sob
os olhos curiosos do rio, pariu uma bela menina de olhos negros e grandes, com
a pele macia e um choro manso, como se fosse uma nova esperança que nascesse
para fazer se crer num futuro melhor.
Os quatro homens ficaram surpresos com o que viram ao chegar a casa;
descobriram, embora já soubessem interiormente, o quanto era forte aquela
pequena e magra mulher maltratada pelo tempo; trataram logo de cortar o umbigo
da criança e dar-lhe um banho quente com as plantas do mato, como apregoa a medicina
catrumano e a tosca cultura do sertanejo. A felicidade havia tomado conta,
depois de um longo tempo, de toda aquela família; os vizinhos mais próximos
souberam do acontecido e foram logo visitá-la, fez-se então uma pequena e
animada festa à menina a quem chamaram de Madalena Silva de Magalhães, segundo
eles, nome forte e deveras bonito.
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