segunda-feira, 17 de julho de 2017

SANHARÓ (CAPÍTULO 5)

           “Se Deus num ajudar, esse ano o plantio não vai vingar... e esses diabo desses pássaros... que ataca as roça. Se não fosse pecado matar rolinha, são tudo galinha de Nossa Senhora. Benza Deus, credo e cruz!”, Justino arrepiava-se ao dizer estas palavras. Os trovões e relâmpagos tomavam conta daquele ambiente, o tempo fazia mais de mês que estava para chuva, era finzinho de novembro, mas aquela danada teimava em não cair. Havia dias em que o céu escurecia e nuvens cinzentas e pesadas, quase em ponto de estourar, estacionavam bem em cima da plantação, Justino se alegrava, mas logo se punha a reclamar, pois nunca que aquela chuva chovesse.

            Margarida rezava novenas e, junto dela, também rezavam Geraldinho, José e Loriano. Nos braços dela, Lourdinha, recém-nascida, dormia sem entender nada daquilo que se passava. Justino tinha a sua sensibilidade e gostava de olhar aquela cena, às vezes, chegava cansado do serviço na lavoura, mas, antes de ir para a cama, dicrocava na beira da porta e, durante o tempo em que picava o fumo e acertava a palha para o preparo do cigarro, se entretinha em olhar a esposa e os filhos aos pés da Santa. Justino gostava de ver aquilo, sempre imaginara ter um monte de filhos, mas agora, temia que outros viessem; os tempos estavam difíceis e ele não conseguia pensar em como poderia manter mais algum filho que chegasse.

- O futuro é um lugar distante...

         - Que foi Justino? Cê Tá doido é?

             Ele tentou disfarçar aquele pensamento, mas sentiu que estava com as maçãs avermelhadas, soltou um palavrão e saiu para o terreiro com a desculpa de olhar as estrelas que brilhavam no céu. Justino andava devagar como se estivesse em outro mundo, sentou-se na velha cancela e, daquele ponto, passou a observar Margarida, que rezava junto à janela do quarto; sentiu que gostava dela e até seria capaz de jurar que encontrara naquela mulher tudo aquilo que procurava. Ele sabia que gostava, mas era um gostar que não podia ser amor; seu corpo e sua mente estavam ali, no sanharó, mas o coração tinha ficado em São Paulo com a moça de olhos fundos que  gostava de valsa e sabia dizer palavras e frases complicadas. Levara um tempão para compreender aquela frase, e, só agora, é que podia entendê-la; às vezes sonhava com ela, sentia o seu cheiro gostoso e tinha uma grande vontade de largar toda a sua vida e partir para São Paulo só para poder reconquistá-la, mas resignava, tinha certeza de que o tempo remediaria a sua dor.

         Já devia ser quase nove horas quando Margarida o viera chamar, pensava na paulista e sentia um grande aperto no seu peito e quase não pôde escutá-la.

       - Vem dormir, Justino. Já é tarde e amanhã cê tem que trabaiá.

        - E as criança, dormiu?

        - Já tão tudo sonhando. Cê tem que reparar como dorme bonito, parece até que eles são uns anjinhos.

         - E a chuva, Margarida? Parece que ela num quer vim, fica aí rodando aqui em cima de nós, mas num cai, parece até castigo. Num parece?... 

        - Avexa não, homem. Já pedi pro São José e ocê vai ver, já-já cai um Pé-d’água dos bão por essas banda.

        - Sabe, Margarida... Se num chover nós vai é embora. Ô se num vamo! Vamo tudo é prá São Paulo arrumar nossa vida...

        - Vamo dormir, Justino, Vem.


          E o coração daquela pequena mulher batia tranquilo, guiado pela ponta de esperança que comunicava a brotar, eram fins de novembro e ela viu que, lá pelas bandas de Pirapora, vinha uma chuva bem mais pesada que todas as outras. Talvez pudesse chover.

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