“Se Deus num ajudar, esse ano o
plantio não vai vingar... e esses diabo desses pássaros... que ataca as roça.
Se não fosse pecado matar rolinha, são tudo galinha de Nossa Senhora. Benza
Deus, credo e cruz!”, Justino arrepiava-se ao dizer estas palavras. Os trovões
e relâmpagos tomavam conta daquele ambiente, o tempo fazia mais de mês que
estava para chuva, era finzinho de novembro, mas aquela danada teimava em não
cair. Havia dias em que o céu escurecia e nuvens cinzentas e pesadas, quase em
ponto de estourar, estacionavam bem em cima da plantação, Justino se alegrava,
mas logo se punha a reclamar, pois nunca que aquela chuva chovesse.
Margarida rezava novenas e, junto dela,
também rezavam Geraldinho, José e Loriano. Nos braços dela, Lourdinha,
recém-nascida, dormia sem entender nada daquilo que se passava. Justino tinha a
sua sensibilidade e gostava de olhar aquela cena, às vezes, chegava cansado do
serviço na lavoura, mas, antes de ir para a cama, dicrocava na beira da porta
e, durante o tempo em que picava o fumo e acertava a palha para o preparo do
cigarro, se entretinha em olhar a esposa e os filhos aos pés da Santa. Justino
gostava de ver aquilo, sempre imaginara ter um monte de filhos, mas agora,
temia que outros viessem; os tempos estavam difíceis e ele não conseguia pensar
em como poderia manter mais algum filho que chegasse.
- O futuro é um
lugar distante...
- Que foi Justino? Cê Tá doido é?
Ele tentou disfarçar aquele
pensamento, mas sentiu que estava com as maçãs avermelhadas, soltou um palavrão
e saiu para o terreiro com a desculpa de olhar as estrelas que brilhavam no
céu. Justino andava devagar como se estivesse em outro mundo, sentou-se na velha
cancela e, daquele ponto, passou a observar Margarida, que rezava junto à
janela do quarto; sentiu que gostava dela e até seria capaz de jurar que
encontrara naquela mulher tudo aquilo que procurava. Ele sabia que gostava, mas
era um gostar que não podia ser amor; seu corpo e sua mente estavam ali, no
sanharó, mas o coração tinha ficado em São Paulo com a moça de olhos fundos que gostava de valsa e sabia dizer palavras e
frases complicadas. Levara um tempão para compreender aquela frase, e, só
agora, é que podia entendê-la; às vezes sonhava com ela, sentia o seu cheiro
gostoso e tinha uma grande vontade de largar toda a sua vida e partir para São
Paulo só para poder reconquistá-la, mas resignava, tinha certeza de que o tempo
remediaria a sua dor.
Já devia ser quase nove horas quando
Margarida o viera chamar, pensava na paulista e sentia um grande aperto no seu
peito e quase não pôde escutá-la.
- Vem dormir, Justino. Já é tarde e
amanhã cê tem que trabaiá.
- E as criança, dormiu?
-
Já tão tudo sonhando. Cê tem que reparar como dorme bonito, parece até que eles
são uns anjinhos.
- E a chuva, Margarida? Parece que ela
num quer vim, fica aí rodando aqui em cima de nós, mas num cai, parece até
castigo. Num parece?...
-
Avexa não, homem. Já pedi pro São José e ocê vai ver, já-já cai um Pé-d’água
dos bão por essas banda.
- Sabe, Margarida... Se num chover nós
vai é embora. Ô se num vamo! Vamo tudo é prá São Paulo arrumar nossa vida...
- Vamo dormir, Justino, Vem.
E o coração daquela pequena mulher
batia tranquilo, guiado pela ponta de esperança que comunicava a brotar, eram
fins de novembro e ela viu que, lá pelas bandas de Pirapora, vinha uma chuva
bem mais pesada que todas as outras. Talvez pudesse chover.
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