Fazia uma semana que chovia forte. O rio havia se encorpado e parecia
transbordar de felicidade. Ele brincava com os galhos que caíam das árvores e
parecia cantar músicas de roda, quase como se fosse uma criança feliz. De vez
em quando, alguém chegava à sua margem, mas, em geral, ele passava toda a
semana, solitário, brincando com os galhos e o tempo; e ficava olhando de longe
para ver perfeitamente se acontecia alguma coisa de muito interessante, mas,
constantemente, era a mesma coisa de sempre, a mesma paisagem, os mesmos
animais e, enfim, a mesma solidão.
O tempo, que antes daquela chuva era tão quente quanto um forno, agora
estava muito frio; as folhas das árvores estavam todas verdes, mas, como era
forte o vento que chegava, eram poucas as que se mantinham firmes nas copas.
Eram poucos aqueles que saíam de casa. Vez por outra, Justino passava por ali,
montado num velho cavalo branco, direto para a venda do Cristino, ora para
buscar pinga, ora para buscar fumo ou pilhas para o rádio. Gentil passava pouco
também; no mais, era só para olhar um pouco a lavoura, e, quase sempre, dava um
suspiro, resmungava um tanto com o tempo e voltava para casa. Os meninos pouco
saíam de casa, a não ser Loriano que dera de endoidar de vez e, comumente,
fugia pelado de casa e ficava horas mergulhando naquelas águas frias.
O Sanharó gostava dos meninos e quando
Loriano chegava endoidecido, ele o abraçava e esquentava todo o seu corpo, como
se fosse um manto de algodão. O garoto parecia deliciar-se com o aconchego
daquele abraço e se deixava afundar naquela sensação apaziguadora, até que
Justino chegasse e, pegando pelas orelhas, o arrastava de volta para a casa. O
rio gostava de ver que aquela cena se passava em suas águas e parecia sorrir
para aqueles dois, e, se alguém parasse para escutá-lo, ele, certamente,
haveria de dizer: “Vão meus filhos, sejam felizes e, quando, se algum dia,
precisarem de mim, saibam que eu vos acolherei”.
Era bem início do mês de Dezembro e brevemente chegaria o natal, o rio
já se enchia todo no espírito natalino, talvez esperando a vinda do salvador.
Alguns pássaros, escondidos nas copas das árvores próximas, começavam a entoar
alguns cânticos, ainda que o fizesse um pouco ainda timidamente; eram os
bem-te-vis, as juritis e os joões de barro. Chovia forte, mas parecia que era
algo que todo mundo do sertão já, há tempos previa, que aquela chuva não
tardaria a ter um fim. Os peixes começavam a reaparecer para tomar o ar limpo
do natal e alguns tatus já começavam a sair das suas tocas. O Sanharó brincava
com suas margens e parecia saudar, bem ao seu estilo, cada bicho ou alma
vivente que lhe aparecia , fosse ele bicho homem ou alguma das tantas espécies
animais.
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