Sente-se nesse banco e,
por favor, reconsidere algumas falhas e mesmo alguns sentimentalismos meus;
afinal, não é fácil relembrar um amigo de tão longa data. Mais que isso, o
Arnaldo era um irmão que eu nunca tive. É verdade que, enquanto aqui esteve,
nunca me veio a ideia de abraçá-lo ou dizer qualquer palavra de apreço. Você
sabe... Posso chamá-lo de você?... Aqui no meio deste cerrado, junto das vacas
e dos cavalos, acabamos por nos tornar duros, meio bicho mesmo. Falo de mim,
que, às vezes, ainda me escondo das pessoas que me procuram ou invento alguma
mentira só para não ter que estar junto de outros indivíduos. Veja você que
prefiro conversar com o meu cavalo, enquanto perambulo por estes campos, a
conversar amenidades com algum velho conhecido. Deveras, conversar mesmo,
apenas com o meu amigo Arnaldo, que todos os dias vinha a minha casa tomar uma
pinguinha e filosofar sobre coisas de pouca monta.
Interessante que você
tenha vindo falar justamente do amigo. Não desacredito, quando diz que as
histórias do Arnaldo têm corrido por este mundo a fora; o povo gosta mesmo de
conversar. Só espero que a minha esposa do meu amigo não nos ouça, temo que ela
fique meio atordoada com as lembranças que lhe contarei, se você tiver tempo e paciência
de escutá-las. Pode ser que em nada isso acrescente às suas pesquisas; além do
mais, nem sei que importâncias teriam as lembranças de um pobre desgraçado às
páginas de um livro, de um blog, ou, mesmo, de um caderninho de anotações. Mas
não julgo o seu interesse, cada um deseja o que lhe vier na telha.
Lindaura. Esse é o nome
dela. E, você ainda há de vê-la, o nome faz jus a ela. Ainda é tão bonita
quanto em quando era a esposa do meu amigo e vinha a minha casa,
acompanhando-o, como uma mãe, na flor da idade, que leva seu pequeno filho à escola.
Lindaura sempre fora uma mulher cheia de si, sempre com o cabelo solto dançando
de um lado para outro, o rosto pintado e os lábios sempre cobertos por um
vistoso batom vermelho. O Arnaldo, pobre coitado, vinha quase que arrastado
pela esposa, com a sua cara de inocente e a felicidade com vergonha de se
mostrar. Ele trazia sempre um sorriso tímido no rosto, como se isso irritasse
alguém e, por isso, lhe causasse certo constrangimento. Mas, é inegável que ele
sentia-se feliz ao lado de Lindaura.
Vejo que você não gosta
de cachaça, se não, tem pouco o hábito de bebericá-la. Pois bem, Lindaura está
na cozinha e, certamente, prepara um cafezinho para o nosso deleite. Também
deve estar preparando um bolo de fubá. Sinta o cheiro, ela tem mãos de fada
para essas coisas! Se quiser, mando que faça alguns beijus ou xiriris; ela é
boa e, rapidinho, prepara tudo isso... Então, continuemos. Primeiro, um golinho
para o santo... Essa é das boas!
Uma data certa não sou
capaz de lhe dar, afinal, quando voltei de Montes Claros, ele já estava por
essas bandas. Sim, eu era ainda um rapaz, tinha cursado o ensino médio, fiz um
curso técnico e fiquei perambulando por lá durante um tempo. Conforme ele
dissera depois, tinha vindo da Lapa do Bom Jesus, fugindo da seca, procurando
algum recurso de vida. Nada mais dissera sobre si, e, confesso a você, também
eu nunca perguntei.
Meu pai o empregara
como vaqueiro. Tinha que ajudar os outros, tirar o leite das vacas, roçar os
matos à beira da casa e, sempre que necessário, ir à cidade comprar coisas para
a cozinha. Eu sempre lhe dissera que era o meu menino de recado, pois, nas
festas que íamos por essas bandas, era ele quem sempre levava os meus recados
às namoradinhas. O Arnaldo nunca se irritava com essa minha provocação, e,
confesso a você, essa indiferença e resignação sempre me causava raiva do
amigo.
Não se preocupe, amanhã
continuamos a falar sobre o meu amigo. Mas, antes que parta, tomemos o café e
comamos as guloseimas que Lindaura preparou. Depois da sua partida, ficarei um
pouco mais nessa varanda. Vou esperar; quem sabe o meu amigo ainda volte. Sinto
saudade das nossas conversas, enquanto bebericávamos os nossos goles de cachaça
comendo torresmo e olhando o gado no pasto. Mas, se ele vier, me encontrará
prevenido; sempre tenho o meu revólver a tiracolo e os olhos sempre abertos,
afinal, seguro morreu de velho!
Pinga,torresmo e uma boa conversa com um amigo no final da tarde.feijão preto com pé de porco borbulhando no fogão a lenha.Momentos de rara felicidade.
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