quinta-feira, 10 de agosto de 2017

ARNALDO 1

Sente-se nesse banco e, por favor, reconsidere algumas falhas e mesmo alguns sentimentalismos meus; afinal, não é fácil relembrar um amigo de tão longa data. Mais que isso, o Arnaldo era um irmão que eu nunca tive. É verdade que, enquanto aqui esteve, nunca me veio a ideia de abraçá-lo ou dizer qualquer palavra de apreço. Você sabe... Posso chamá-lo de você?... Aqui no meio deste cerrado, junto das vacas e dos cavalos, acabamos por nos tornar duros, meio bicho mesmo. Falo de mim, que, às vezes, ainda me escondo das pessoas que me procuram ou invento alguma mentira só para não ter que estar junto de outros indivíduos. Veja você que prefiro conversar com o meu cavalo, enquanto perambulo por estes campos, a conversar amenidades com algum velho conhecido. Deveras, conversar mesmo, apenas com o meu amigo Arnaldo, que todos os dias vinha a minha casa tomar uma pinguinha e filosofar sobre coisas de pouca monta.

Interessante que você tenha vindo falar justamente do amigo. Não desacredito, quando diz que as histórias do Arnaldo têm corrido por este mundo a fora; o povo gosta mesmo de conversar. Só espero que a minha esposa do meu amigo não nos ouça, temo que ela fique meio atordoada com as lembranças que lhe contarei, se você tiver tempo e paciência de escutá-las. Pode ser que em nada isso acrescente às suas pesquisas; além do mais, nem sei que importâncias teriam as lembranças de um pobre desgraçado às páginas de um livro, de um blog, ou, mesmo, de um caderninho de anotações. Mas não julgo o seu interesse, cada um deseja o que lhe vier na telha.

Lindaura. Esse é o nome dela. E, você ainda há de vê-la, o nome faz jus a ela. Ainda é tão bonita quanto em quando era a esposa do meu amigo e vinha a minha casa, acompanhando-o, como uma mãe, na flor da idade, que leva seu pequeno filho à escola. Lindaura sempre fora uma mulher cheia de si, sempre com o cabelo solto dançando de um lado para outro, o rosto pintado e os lábios sempre cobertos por um vistoso batom vermelho. O Arnaldo, pobre coitado, vinha quase que arrastado pela esposa, com a sua cara de inocente e a felicidade com vergonha de se mostrar. Ele trazia sempre um sorriso tímido no rosto, como se isso irritasse alguém e, por isso, lhe causasse certo constrangimento. Mas, é inegável que ele sentia-se feliz ao lado de Lindaura.

Vejo que você não gosta de cachaça, se não, tem pouco o hábito de bebericá-la. Pois bem, Lindaura está na cozinha e, certamente, prepara um cafezinho para o nosso deleite. Também deve estar preparando um bolo de fubá. Sinta o cheiro, ela tem mãos de fada para essas coisas! Se quiser, mando que faça alguns beijus ou xiriris; ela é boa e, rapidinho, prepara tudo isso... Então, continuemos. Primeiro, um golinho para o santo... Essa é das boas!

Uma data certa não sou capaz de lhe dar, afinal, quando voltei de Montes Claros, ele já estava por essas bandas. Sim, eu era ainda um rapaz, tinha cursado o ensino médio, fiz um curso técnico e fiquei perambulando por lá durante um tempo. Conforme ele dissera depois, tinha vindo da Lapa do Bom Jesus, fugindo da seca, procurando algum recurso de vida. Nada mais dissera sobre si, e, confesso a você, também eu nunca perguntei.

Meu pai o empregara como vaqueiro. Tinha que ajudar os outros, tirar o leite das vacas, roçar os matos à beira da casa e, sempre que necessário, ir à cidade comprar coisas para a cozinha. Eu sempre lhe dissera que era o meu menino de recado, pois, nas festas que íamos por essas bandas, era ele quem sempre levava os meus recados às namoradinhas. O Arnaldo nunca se irritava com essa minha provocação, e, confesso a você, essa indiferença e resignação sempre me causava raiva do amigo.

Não se preocupe, amanhã continuamos a falar sobre o meu amigo. Mas, antes que parta, tomemos o café e comamos as guloseimas que Lindaura preparou. Depois da sua partida, ficarei um pouco mais nessa varanda. Vou esperar; quem sabe o meu amigo ainda volte. Sinto saudade das nossas conversas, enquanto bebericávamos os nossos goles de cachaça comendo torresmo e olhando o gado no pasto. Mas, se ele vier, me encontrará prevenido; sempre tenho o meu revólver a tiracolo e os olhos sempre abertos, afinal, seguro morreu de velho!  

  


Um comentário:

  1. Pinga,torresmo e uma boa conversa com um amigo no final da tarde.feijão preto com pé de porco borbulhando no fogão a lenha.Momentos de rara felicidade.

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