O Pitinha ainda é um
lugar onde as crianças brincam na rua. Com certeza, já não mais como
brincávamos antigamente. No meu tempo de criança, quando ainda não havia tantos
carros dirigidos por malucos ávidos por velocidade e nem tanta violência gratuita,
quase todos os meus amigos estudavam de manhã. Os desenhos que curtíamos iam ao
ar depois das cinco da tarde e os deveres de casa eram feitos logo depois do
almoço, dentro de meia-hora, quando muito. A tarde, portanto, era toda nossa.
Era um tempo longo e livre para brincarmos de tudo o que quiséssemos, onde bem entendêssemos.
Ainda vejo, na minha
rua, alguns meninos e meninas brincando na porta de casa, sob os olhares
vigilantes dos pais, sem a liberdade que tínhamos noutros tempos. É certo que
alguns prefiram ficar em casa, cutucando as redes sociais ou assistindo aos
desenhos na tevê; mas, ainda existe uma centelha que inspira aos mais velhos
uma pontinha de esperança. Eu não seria louco de imaginar um bando de garotos
correndo pelas ruas armados de tocos e gravetos, brincando de polícia e ladrão,
nem tão ingênuo ao ponto de pensar que brincariam de “caiu no Poço”, sem
segundas intenções. Já não vivemos os anos 80 e 90.
Às vezes, como quase
sempre acontece com os infantes atuais, sentíamos tédio. Era difícil, mas, de
tanto brincar, Existiam os momentos em que faltava saco para as velhas
brincadeiras e, por isso, vez ou outra, fazíamos qualquer asneira; mas, como
diz o ditado: “Deus protege os bêbados e as crianças”. Talvez, por isso,
sentíamos no direito de pegar alguns gravetos e fazer uma “macumba” para que a
velha Rural Willis do vizinho sumisse da frente de casa; assustando-nos, no
outro dia, quando ela já não estava mais lá; ou de pegar a “traseirinha” de uma
velha Picape, depois que o motorista já nos tivesse mandado descer. E foi numa
destas que eu quase me lasquei.
Era uma tarde tomada
pelo tédio. Robertinho e eu, assentados no degrau mais alto da calçada,
escutávamos as conversas que rolavam no boteco do meu pai, geralmente, coisas à
toa, banalidades e filosofias que nasciam e morriam entre os goles de cachaça.
A velha Picape estava parada à nossa frente, com o seu dono bebericando o seu
último copo de pinga, enquanto maquinávamos o nosso intento.
O carro deu partida e
seguia devagar. Penduramo-nos na carroceria do carro e seguimos. Como o homem
havia avistado a nossa subida, o veículo não ganhou grande velocidade e, depois
de dobrar a esquina, parou lentamente para que nós apeássemos. Descemos e já
íamos voltando para a porta do boteco, quando Robertinho ordenou:
- Vamos de novo, mas
não deixa ele ver, senão ele não corre!
Subimos novamente,
escondidos, na traseira da Picape, que rapidamente desenvolveu a sua
velocidade. O vento me soprava o rosto e uma incrível sensação de liberdade
tomava conta de mim; as casas passavam rápidas ao meu lado e, olhando para
baixo, o asfalto corria em carreira desabalada. Eu nunca havia pegado “Traseirinha”
de carro algum e não sabia como descer. Se continuasse em cima do carro, breve
já não saberia como voltar.
- Vou pular. Depois
você pula também. O carro tá ganhando velocidade!
Robertinho pulou e
ficou à minha espera. Puxei o fôlego, segurei o ar e pulei. O pulo teria sido
magistral, se eu tivesse me lembrado de soltar as mãos da carroceria. O dono da
Picape não nos viu subir, logo, também não viu quando pulamos; arrastou-me por
alguns metros, com o asfalto comendo os meus dedos, meus joelhos e cotovelos,
até que eu fosse de encontro a um buraco no meio da rua. Com o bate no buraco,
dei um salto para cima e, automaticamente, soltei as mãos da carroceria,
estatelando-me no chão.
Lembro-me de que fui
embora chorando, cheio de dores e com medo da minha mãe. Já em casa, ainda me
recordo da surra que levei com um velho cinto de couro e, depois, sob os
veementes sermões de minha mãe, da espátula do mertiolate tocando os machucados
e ardendo até a alma.
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