sábado, 30 de junho de 2018

JUCA PESSOA - CAPÍTULO 11



Elismar Santos

Junto da cerca, Juca gritou. Era uma casinha simples à beira da estrada. As paredes encardidas pela poeira que o vento trazia davam um ar triste àquela casa.  As janelas, pintadas de azul, já estavam fechadas e ele podia notar que através de um buraco na porta, uma pessoa espiava o lado de fora.

- Ou de dentro, boas noites! Eu sou de paz...

Nenhum movimento vinha de dentro. Apenas uma fraca luz de lamparina dançava para lá e para cá, deixando-se ver pelas frestas do telhado baixo e mal trançado.

- Estou cansado e tenho sede. Pelo amor do bom Deus, seja homem ou mulher, dê-me o de beber, ao menos, e irei em frente.

Timidamente, a porta se abriu. Uma mulher surgira em meio ao lusco-fusco. Ao aproximar-se, Juca pôde ver o quanto ela era bonita. Os cabelos negros amarrados num rabo de cavalo deixavam transparecer o pescoço fino e o rosto bem feito; os lábios eram carnudos e, enquanto ela falava, notou que seus dentes eram alinhados e os olhos vivos e imponentes.

- Meu marido não está em casa, mas, não demora chegar. Não seria de bom tom que o deixasse entrar. Mas, de onde vem e para onde pretende seguir?

Juca se admirara com a altivez com que aquela mulher lhe indagava. Ainda que soubesse que homem algum morasse ali, pois que não havia qualquer criação de grande porte ou trabalhos masculinos naquele lugar, deixou que a conversa se desenrolasse. Tinha gostado dela, embora ainda se lembrasse de Marciel.

- A estrada que sigo é longa e cheia de entremeios, minha senhora. Tenho a graça de Juca Pessoa Moreira e Silva. Não tenho para onde ir; apenas sigo; talvez em busca do que não sei.

- Pois bem. Coloque o seu cavalo debaixo daquele pequizeiro e espere junto da carroça. Trarei água e o de comer. Se quiser, pode dormir debaixo da carroça. Mas, amanhã, antes que meu marido volte, siga o seu caminho.

Ele estranhara as palavras da mulher, pois, se tinha marido e se dissera que não tardaria a voltar, por que dissera agora que haveria de retornar apenas de manhã?! Certamente que não haveria homem algum naquela casa, como pensara anteriormente. Mas, o melhor era ficar quieto no seu canto e aceitar as suas ordens.

A água barrenta viera num copo de alumínio bastante limpo e sem marcas de outras mãos. A comida estava gostosa, apesar de simples; comia-se o arroz com fava um pouco de quiabo.

Ela vestia um vestido longo com alcinhas bastante finas e, enquanto se abaixava para entregá-lo o prato, não pudera deixar de olhar os seus seios. Eram pequenos e durinhos, com os biquinhos rosados e eriçados. Tinha vontade de tocá-los, de beijar a boca carnuda daquela mulher, de deitar-se na sua cama.

Ao notar os olhos gulosos do forasteiro, ela se afastara um pouco, ajeitando a alça do vestido, enrubescendo um pouco a face. Não entrara. Assentou-se em um toco escorado na parede e pôs-se a olhar ao longe, como se esperasse alguém que viesse pela estrada.

- Você espera por alguém? Pois posso ir embora. Termino o de comer e sigo o meu caminho. Sei que não tem qualquer marido a esperar, pois, basta olhar em derredor e ver que tudo isso são lavras de mulher, mulher caprichosa, é verdade, e deveras bonita...

Novamente, ela enrubescera a face. Abaixou a cabeça e cruzou os braços, como se estivesse com um pouco de frio.

- Não. Não espero ninguém. Apenas fico aqui pensando sobre o que leva alguém a sair a esmo, andando pelo mundo, feito alma penada!

- A vida é cheia de contratempos. E isso faz com que a gente tome algumas decisões. Da minha casa, todos tiveram que partir. Dos meus irmãos, notícia alguma eu tenho de nenhum. Deixei minha mãe em meio à seca da Bahia e, tenho certeza de que nem mesmo ela lá mais existe.

- Então veio fugido, lá da Bahia?

- Sim. Pior do que fugir de coronel ou coisa ruim é fugir da seca. Lá de onde venho, o gado tem morrido de sede e as plantações nem mais dão para comer. Ficam os velhos, para morrem, e as crianças, que não têm forças para fugir.

- Aqui já não é diferente. Se seguir mais um quilômetro, nas terras do “Seu” Gregório, haverá de encontrar um córrego, que antes já foi um rio. Hoje, seca quase todo o ano e corre fino durante as chuvas. Acho que Deus já nem se lembra mais de nós. Dizem que chove muito lá para os lados do sul, enquanto que daqui pra cima tudo é essa sequidão dos diabos.

Juca concordava com tudo o que ela dizia. Mas, mais que isso, admirava sempre mais a sua beleza. Ela havia trazido uma lamparina, que fazia com que a sua sombra dançasse pela parede. As suas curvas eram bem feitas e a sua voz saía macia, como se fosse o mais belo cantar dos pássaros.

A noite já tinha caído por completo, quando ela resolveu se deitar. Juca se sentia cansado da exaustiva viagem e também já começava a cochilar.

- Hoje vai fazer frio. Acho melhor você vir para dentro. Tem uma rede na sala, pode dormir lá esta noite...

Um sorriso havia brotado dos lábios daquela linda morena. Desde que chegara àquele lugar, era a primeira vez que ele via o seu sorriso. Os seus dentes eram realmente bem feitos, assim como ela era toda perfeita.

Juca agradeceu, pegou as suas tralhas e colocou a um canto da sala. O interior da casa era bastante simples. Numa mesinha encostada na parede, uma imagem de Nossa Senhora abençoava a casa; um pote de barro ficava sobre uma pequena tábua encravada entre a mesa e o telhado, com o copo de alumínio sobre o prato que servia de tampa ao recipiente. A rede ficava no outro canto da sala, ao lado da porta do quartinho onde ela dormia e, enquanto se preparava para dormir, Juca viu que o quarto era limpo e bem cuidado. A sua parede era coberta por um pano preto e a cama, de casal, feita com madeira de Sucupira, estava bem forrada com um Chenille esverdeado bem alinhado. Não havia guarda-roupas e estas ficavam guardadas dentro de uma enorme mala a um canto da parede. O quarto possuía uma pequena janela, por onde entravam pequenos raios de luz, deixando-o meio aclareado e, certamente, por onde ela via a lua nos dias de maior solidão.

Ele se deitara e ficou pensando na vida. Lembrava-se de sua mãe e sentia saudades. Tinha remorso por tê-la deixado sozinha naquele lugar. Será que alguém a tinha socorrido na hora da morte? Alguém a enterrara, ou tinha servido de comida aos bichos, assim como vários outros sertanejos que morriam à míngua, solitários naquele lugar?

Fechou os olhos por um tempo e pôs-se a rezar, mas as lembranças de Marciel lhe vieram à mente. Queria saber o que ele estava fazendo, se estava bem, se também sentia saudades suas. E ao lembrar-se do amigo, sentia uma coisa ruim, como se lhe faltasse um pedaço, como se faltasse a sua alma. Reforçava a oração, enquanto as lembranças do amigo lhe vinham à mente.

Por entre o fogo fátuo da lamparina divisara a mulher. Ela trazia um velho cobertor cheirando a mofo e um travesseiro.

- Isso não está com cheiro muito bom. Faz tempo que ninguém usa. Desde que meus pais se foram, deixei guardados na despensa. Mas, dá para se esconder do frio da madrugada.

Juca agradeceu. Pôs o travesseiro sob a cabeça e embrulhou-se com a coberta, enquanto admirava a mulher, que parecia paralisada à sua frente, apenas a sombra palpitando na parede.

- Desculpe a minha falta. Você me deu o de beber, o de comer e onde dormir, e nem mesmo o seu nome perguntei...

- Margarida.

- Margarida. Nome de flor. Nada mais justo. Margarida...

Ela deu um sorriso tímido e com os olhos já cansados se despediu. Teria que madrugar, fazer o almoço e ir trabalhar.

Enquanto esperava pelo sono, que teimava em não vir, embora estivesse cansado, Juca observava o sono de Margarida. Não havia cortina, apenas a porta separando os dois e, como se deitara com a cabeça para o lado da porta, conseguia visualizá-la perfeitamente.

Ela dormia como um anjo, vestida numa camisola branca. A coberta com a qual se cobrira, escorregara pela cama, deixando à mostra todo o seu corpo. Deitada de bruços, Juca enamorava a sua bundinha durinha, as pernas grossas e bem torneadas com os cabelinhos eriçados. A lamparina do quarto estava apagada, mas ele deixara a sua ainda acesa, além da luz da lua que entrava pela fresta da janela e deixava ainda mais gostoso o corpo de Margarida.

Durante um tempo, observara o corpo de Margarida e desejara tê-la nos seus braços, penetrar o seu corpo, beijar a sua boca. E, por enquanto, esquecera-se do amigo, da mãe e de tudo o que tinha passado até ali.


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