Elismar Santos
Junto
da cerca, Juca gritou. Era uma casinha simples à beira da estrada. As paredes
encardidas pela poeira que o vento trazia davam um ar triste àquela casa. As janelas, pintadas de azul, já estavam
fechadas e ele podia notar que através de um buraco na porta, uma pessoa
espiava o lado de fora.
- Ou
de dentro, boas noites! Eu sou de paz...
Nenhum
movimento vinha de dentro. Apenas uma fraca luz de lamparina dançava para lá e
para cá, deixando-se ver pelas frestas do telhado baixo e mal trançado.
- Estou
cansado e tenho sede. Pelo amor do bom Deus, seja homem ou mulher, dê-me o de
beber, ao menos, e irei em frente.
Timidamente,
a porta se abriu. Uma mulher surgira em meio ao lusco-fusco. Ao aproximar-se,
Juca pôde ver o quanto ela era bonita. Os cabelos negros amarrados num rabo de
cavalo deixavam transparecer o pescoço fino e o rosto bem feito; os lábios eram
carnudos e, enquanto ela falava, notou que seus dentes eram alinhados e os
olhos vivos e imponentes.
-
Meu marido não está em casa, mas, não demora chegar. Não seria de bom tom que o
deixasse entrar. Mas, de onde vem e para onde pretende seguir?
Juca
se admirara com a altivez com que aquela mulher lhe indagava. Ainda que
soubesse que homem algum morasse ali, pois que não havia qualquer criação de
grande porte ou trabalhos masculinos naquele lugar, deixou que a conversa se
desenrolasse. Tinha gostado dela, embora ainda se lembrasse de Marciel.
- A
estrada que sigo é longa e cheia de entremeios, minha senhora. Tenho a graça de
Juca Pessoa Moreira e Silva. Não tenho para onde ir; apenas sigo; talvez em
busca do que não sei.
-
Pois bem. Coloque o seu cavalo debaixo daquele pequizeiro e espere junto da
carroça. Trarei água e o de comer. Se quiser, pode dormir debaixo da carroça.
Mas, amanhã, antes que meu marido volte, siga o seu caminho.
Ele
estranhara as palavras da mulher, pois, se tinha marido e se dissera que não
tardaria a voltar, por que dissera agora que haveria de retornar apenas de
manhã?! Certamente que não haveria homem algum naquela casa, como pensara
anteriormente. Mas, o melhor era ficar quieto no seu canto e aceitar as suas
ordens.
A
água barrenta viera num copo de alumínio bastante limpo e sem marcas de outras
mãos. A comida estava gostosa, apesar de simples; comia-se o arroz com fava um pouco
de quiabo.
Ela
vestia um vestido longo com alcinhas bastante finas e, enquanto se abaixava
para entregá-lo o prato, não pudera deixar de olhar os seus seios. Eram
pequenos e durinhos, com os biquinhos rosados e eriçados. Tinha vontade de
tocá-los, de beijar a boca carnuda daquela mulher, de deitar-se na sua cama.
Ao
notar os olhos gulosos do forasteiro, ela se afastara um pouco, ajeitando a
alça do vestido, enrubescendo um pouco a face. Não entrara. Assentou-se em um
toco escorado na parede e pôs-se a olhar ao longe, como se esperasse alguém que
viesse pela estrada.
-
Você espera por alguém? Pois posso ir embora. Termino o de comer e sigo o meu
caminho. Sei que não tem qualquer marido a esperar, pois, basta olhar em
derredor e ver que tudo isso são lavras de mulher, mulher caprichosa, é
verdade, e deveras bonita...
Novamente,
ela enrubescera a face. Abaixou a cabeça e cruzou os braços, como se estivesse
com um pouco de frio.
-
Não. Não espero ninguém. Apenas fico aqui pensando sobre o que leva alguém a sair
a esmo, andando pelo mundo, feito alma penada!
- A
vida é cheia de contratempos. E isso faz com que a gente tome algumas decisões.
Da minha casa, todos tiveram que partir. Dos meus irmãos, notícia alguma eu
tenho de nenhum. Deixei minha mãe em meio à seca da Bahia e, tenho certeza de
que nem mesmo ela lá mais existe.
-
Então veio fugido, lá da Bahia?
-
Sim. Pior do que fugir de coronel ou coisa ruim é fugir da seca. Lá de onde
venho, o gado tem morrido de sede e as plantações nem mais dão para comer. Ficam
os velhos, para morrem, e as crianças, que não têm forças para fugir.
-
Aqui já não é diferente. Se seguir mais um quilômetro, nas terras do “Seu”
Gregório, haverá de encontrar um córrego, que antes já foi um rio. Hoje, seca
quase todo o ano e corre fino durante as chuvas. Acho que Deus já nem se lembra
mais de nós. Dizem que chove muito lá para os lados do sul, enquanto que daqui
pra cima tudo é essa sequidão dos diabos.
Juca
concordava com tudo o que ela dizia. Mas, mais que isso, admirava sempre mais a
sua beleza. Ela havia trazido uma lamparina, que fazia com que a sua sombra
dançasse pela parede. As suas curvas eram bem feitas e a sua voz saía macia,
como se fosse o mais belo cantar dos pássaros.
A
noite já tinha caído por completo, quando ela resolveu se deitar. Juca se
sentia cansado da exaustiva viagem e também já começava a cochilar.
-
Hoje vai fazer frio. Acho melhor você vir para dentro. Tem uma rede na sala,
pode dormir lá esta noite...
Um
sorriso havia brotado dos lábios daquela linda morena. Desde que chegara àquele
lugar, era a primeira vez que ele via o seu sorriso. Os seus dentes eram
realmente bem feitos, assim como ela era toda perfeita.
Juca
agradeceu, pegou as suas tralhas e colocou a um canto da sala. O interior da
casa era bastante simples. Numa mesinha encostada na parede, uma imagem de
Nossa Senhora abençoava a casa; um pote de barro ficava sobre uma pequena tábua
encravada entre a mesa e o telhado, com o copo de alumínio sobre o prato que
servia de tampa ao recipiente. A rede ficava no outro canto da sala, ao lado da
porta do quartinho onde ela dormia e, enquanto se preparava para dormir, Juca
viu que o quarto era limpo e bem cuidado. A sua parede era coberta por um pano
preto e a cama, de casal, feita com madeira de Sucupira, estava bem forrada com
um Chenille esverdeado bem alinhado. Não havia guarda-roupas e estas ficavam
guardadas dentro de uma enorme mala a um canto da parede. O quarto possuía uma
pequena janela, por onde entravam pequenos raios de luz, deixando-o meio aclareado
e, certamente, por onde ela via a lua nos dias de maior solidão.
Ele
se deitara e ficou pensando na vida. Lembrava-se de sua mãe e sentia saudades.
Tinha remorso por tê-la deixado sozinha naquele lugar. Será que alguém a tinha
socorrido na hora da morte? Alguém a enterrara, ou tinha servido de comida aos
bichos, assim como vários outros sertanejos que morriam à míngua, solitários
naquele lugar?
Fechou
os olhos por um tempo e pôs-se a rezar, mas as lembranças de Marciel lhe vieram
à mente. Queria saber o que ele estava fazendo, se estava bem, se também sentia
saudades suas. E ao lembrar-se do amigo, sentia uma coisa ruim, como se lhe
faltasse um pedaço, como se faltasse a sua alma. Reforçava a oração, enquanto
as lembranças do amigo lhe vinham à mente.
Por
entre o fogo fátuo da lamparina divisara a mulher. Ela trazia um velho cobertor
cheirando a mofo e um travesseiro.
-
Isso não está com cheiro muito bom. Faz tempo que ninguém usa. Desde que meus
pais se foram, deixei guardados na despensa. Mas, dá para se esconder do frio
da madrugada.
Juca
agradeceu. Pôs o travesseiro sob a cabeça e embrulhou-se com a coberta,
enquanto admirava a mulher, que parecia paralisada à sua frente, apenas a
sombra palpitando na parede.
- Desculpe
a minha falta. Você me deu o de beber, o de comer e onde dormir, e nem mesmo o
seu nome perguntei...
-
Margarida.
-
Margarida. Nome de flor. Nada mais justo. Margarida...
Ela
deu um sorriso tímido e com os olhos já cansados se despediu. Teria que madrugar,
fazer o almoço e ir trabalhar.
Enquanto
esperava pelo sono, que teimava em não vir, embora estivesse cansado, Juca
observava o sono de Margarida. Não havia cortina, apenas a porta separando os
dois e, como se deitara com a cabeça para o lado da porta, conseguia
visualizá-la perfeitamente.
Ela
dormia como um anjo, vestida numa camisola branca. A coberta com a qual se
cobrira, escorregara pela cama, deixando à mostra todo o seu corpo. Deitada de
bruços, Juca enamorava a sua bundinha durinha, as pernas grossas e bem
torneadas com os cabelinhos eriçados. A lamparina do quarto estava apagada, mas
ele deixara a sua ainda acesa, além da luz da lua que entrava pela fresta da
janela e deixava ainda mais gostoso o corpo de Margarida.
Durante
um tempo, observara o corpo de Margarida e desejara tê-la nos seus braços,
penetrar o seu corpo, beijar a sua boca. E, por enquanto, esquecera-se do
amigo, da mãe e de tudo o que tinha passado até ali.
Elismar, que lindo! Você está cada dia melhor!
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