JUCA PESSOA - CAPÍTULO 5
Elismar
Santos
A
casa parecia enorme, embora fosse minúscula. A falta que Catarina sentia de
Juca fazia seu coração doer. Já não chorava; apenas se lembrava dele, em cada
canto da casa, como se fosse uma alma penada a acompanhá-la em cada canto.
Já havia
se passado uma semana da morte do velho, ainda assim o seu perfume estava
impregnado em todas as coisas da casa. Na verdade, Juca era aquela casa, com
todas as suas particularidades: cada copo em seu lugar; os quadros na parede,
dispostos em ordem hierárquica, com a Sagrada Família fazendo a frente; os
sapatos ainda dispostos enfileirados, alinhados, como que numa fila de
soldados; as vasilhas encarreiradas sempre da maior para a menor...
Juca
gostava das coisas todas organizadas, as roupas bem passadas, as mesmas ações
sempre nos mesmos horários. Às vezes, Catarina pensava consigo que tudo aquilo
seria uma loucura do velho, mas, respeitava-as, como se respeita às ordens de
um pai, embora nem sempre se concorde com elas.
Agora
já não havia mais o velho para lhe dar as ordens, para chamar para dentro de
casa nas noites de lua, quando ficava até mais tarde no portão, para exigir que
trouxesse a sua toalha para o banho da semana. E ela sentia falta de tudo isso.
Sentia-se perdida, sem saber como seguir.
Nos
primeiros dias, Luzia, uma vizinha, quisera ficar em casa com ela, para que não
se sentisse solitária. Catarina agradecera os préstimos, mas queria estar
assim, sozinha com a sua dor. Haveria de senti-la por inteiro, aprendendo a ser
forte, sem depender de ombros alheios. Não teria muletas pela vida. Já não
tinha o seu protetor, também não haveria de pôr alguém para ocupar o seu lugar.
Todos
estranharam o comportamento de Catarina. Alguns fizeram comentários maldosos
sobre a sua ausência de lágrimas, enquanto outros chegaram à afirmativa de que
ela desejava mesmo a morte do velho.
Durante
todos os dias, desde que Juca morrera, ela continuara fazendo todas as coisas
do mesmo jeito, como se ele ainda a estivesse ordenando. A verdade é que ainda
ouvia a sua voz cavernosa mandando que fizesse isso ou aquilo, ainda o via
assentado no velho banco perto da porta esperando pelo prato de comida,
exigindo que a carne não estivesse dura e ao arroz não faltasse sal.
Na
última noite, a dor doeu mais forte. Tentou conversar com Juca, mas ele não
respondia. Por várias vezes chamou pelo seu nome, sem que obtivesse qualquer
resposta. Depois, calou-se e, quase que silenciosamente, começou a rezar por
sua alma. Que Deus o tivesse em um bom lugar e que ele nem precisasse passar
pelo Purgatório.
Com
a oração, sentiu que o seu coração ficara mais leve. Ainda sentia o mesmo
aperto de antes, mas, agora, havia a aquiescência da alma, que parecia aceitar
o acontecido.
E,
de súbito, um pensamento lhe veio à mente: não poderia ficar ali. Não tinha
motivos para que permanecesse naquela casa. Pitinha já não haveria de ser a sua
morada. Ao amanhecer, deixaria tudo aquilo para trás, haveria de viver uma
outra vida, em outro lugar, longe de toda aquela dor.
Alvoroçada,
começou a arrumar as malas e lembrou-se de que Juca sempre guardava uma valise
dentro do guarda-roupa, com algum dinheiro e velhas cartas, às quais nunca a
deixara ler. Pegou o dinheiro e guardou dentro da sua mala. Teria o suficiente
para algum tempo em Montes Claros, até que se arrumasse e pudesse se manter.
Ao
ver as cartas ao alcance de suas mãos, sentiu todo o corpo tremer. Um
sentimento de culpa tomava o seu peito, como se estivesse traindo a confiança
de Juca. Tentou recuar, deixá-las guardadas, como o velho sempre fizera.
Fechara as portas e sentara-se na cama, com as mãos postas ao peito.
A
curiosidade era maior que o temor. Catarina abriu as portas do guarda-roupa,
abriu a valise, pegou as cartas e despejou-as sobre a cama. E, como uma criança
que encontra um pote cheio de doces, começou a lê-las, uma por uma, durante
toda a noite.
Era
madrugada quando a menina havia terminado toda a leitura das cartas, seus olhos
estavam tomados pelas lágrimas e seu peito batia desgovernado. Um sentimento
estranho tomou conta de todo o seu corpo, como se lhe faltasse o chão para
pisar e como se o ar não lhe fosse mais suficiente para viver.
Catarina
deixou a mala sobre a cama. Abriu a porta e pôs-se a correr. Os galos ainda não
haviam cantado e nenhum trabalhador já ia para o trabalho. Seu vestido voava
com o vento, enquanto ela corria com as lágrimas banhando o seu rosto.
A
água da lagoa ainda estava fria quando ela entrou e, sem olhar para trás, foi
andando, andando, até que só lhe restassem os cabelos por cima do espelho.
curiosidade a mil :))
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