domingo, 24 de junho de 2018

JUCA PESSOA - CAPÍTULO 5


JUCA PESSOA - CAPÍTULO 5

Elismar Santos

A casa parecia enorme, embora fosse minúscula. A falta que Catarina sentia de Juca fazia seu coração doer. Já não chorava; apenas se lembrava dele, em cada canto da casa, como se fosse uma alma penada a acompanhá-la em cada canto.

Já havia se passado uma semana da morte do velho, ainda assim o seu perfume estava impregnado em todas as coisas da casa. Na verdade, Juca era aquela casa, com todas as suas particularidades: cada copo em seu lugar; os quadros na parede, dispostos em ordem hierárquica, com a Sagrada Família fazendo a frente; os sapatos ainda dispostos enfileirados, alinhados, como que numa fila de soldados; as vasilhas encarreiradas sempre da maior para a menor...

Juca gostava das coisas todas organizadas, as roupas bem passadas, as mesmas ações sempre nos mesmos horários. Às vezes, Catarina pensava consigo que tudo aquilo seria uma loucura do velho, mas, respeitava-as, como se respeita às ordens de um pai, embora nem sempre se concorde com elas.

Agora já não havia mais o velho para lhe dar as ordens, para chamar para dentro de casa nas noites de lua, quando ficava até mais tarde no portão, para exigir que trouxesse a sua toalha para o banho da semana. E ela sentia falta de tudo isso. Sentia-se perdida, sem saber como seguir.

Nos primeiros dias, Luzia, uma vizinha, quisera ficar em casa com ela, para que não se sentisse solitária. Catarina agradecera os préstimos, mas queria estar assim, sozinha com a sua dor. Haveria de senti-la por inteiro, aprendendo a ser forte, sem depender de ombros alheios. Não teria muletas pela vida. Já não tinha o seu protetor, também não haveria de pôr alguém para ocupar o seu lugar.

Todos estranharam o comportamento de Catarina. Alguns fizeram comentários maldosos sobre a sua ausência de lágrimas, enquanto outros chegaram à afirmativa de que ela desejava mesmo a morte do velho.

Durante todos os dias, desde que Juca morrera, ela continuara fazendo todas as coisas do mesmo jeito, como se ele ainda a estivesse ordenando. A verdade é que ainda ouvia a sua voz cavernosa mandando que fizesse isso ou aquilo, ainda o via assentado no velho banco perto da porta esperando pelo prato de comida, exigindo que a carne não estivesse dura e ao arroz não faltasse sal.

Na última noite, a dor doeu mais forte. Tentou conversar com Juca, mas ele não respondia. Por várias vezes chamou pelo seu nome, sem que obtivesse qualquer resposta. Depois, calou-se e, quase que silenciosamente, começou a rezar por sua alma. Que Deus o tivesse em um bom lugar e que ele nem precisasse passar pelo Purgatório.

Com a oração, sentiu que o seu coração ficara mais leve. Ainda sentia o mesmo aperto de antes, mas, agora, havia a aquiescência da alma, que parecia aceitar o acontecido.

E, de súbito, um pensamento lhe veio à mente: não poderia ficar ali. Não tinha motivos para que permanecesse naquela casa. Pitinha já não haveria de ser a sua morada. Ao amanhecer, deixaria tudo aquilo para trás, haveria de viver uma outra vida, em outro lugar, longe de toda aquela dor.

Alvoroçada, começou a arrumar as malas e lembrou-se de que Juca sempre guardava uma valise dentro do guarda-roupa, com algum dinheiro e velhas cartas, às quais nunca a deixara ler. Pegou o dinheiro e guardou dentro da sua mala. Teria o suficiente para algum tempo em Montes Claros, até que se arrumasse e pudesse se manter.

Ao ver as cartas ao alcance de suas mãos, sentiu todo o corpo tremer. Um sentimento de culpa tomava o seu peito, como se estivesse traindo a confiança de Juca. Tentou recuar, deixá-las guardadas, como o velho sempre fizera. Fechara as portas e sentara-se na cama, com as mãos postas ao peito.

A curiosidade era maior que o temor. Catarina abriu as portas do guarda-roupa, abriu a valise, pegou as cartas e despejou-as sobre a cama. E, como uma criança que encontra um pote cheio de doces, começou a lê-las, uma por uma, durante toda a noite.

Era madrugada quando a menina havia terminado toda a leitura das cartas, seus olhos estavam tomados pelas lágrimas e seu peito batia desgovernado. Um sentimento estranho tomou conta de todo o seu corpo, como se lhe faltasse o chão para pisar e como se o ar não lhe fosse mais suficiente para viver.

Catarina deixou a mala sobre a cama. Abriu a porta e pôs-se a correr. Os galos ainda não haviam cantado e nenhum trabalhador já ia para o trabalho. Seu vestido voava com o vento, enquanto ela corria com as lágrimas banhando o seu rosto.

A água da lagoa ainda estava fria quando ela entrou e, sem olhar para trás, foi andando, andando, até que só lhe restassem os cabelos por cima do espelho.

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