JUCA PESSOA- CAPÍTULO 6
Elismar Santos
- Bom
dia, senhor. Venho contratado pela prefeitura para escrever alguma coisa sobre
a história da cidade, e procuro um lugar onde ficar, até que possa me arrumar
por aqui. O senhor sabe de algum hotel ou pousada onde eu possa me hospedar?
São João da
Lagoa, em pleno século vinte e um, ainda é uma cidadezinha pacata; com seus
moradores sempre assentados nas portas, alguns pescando na lagoa, enquanto
outros bebem a sua cachaça e conversam a vida alheia nos vários botecos do
lugar.
Ainda era
de manhã quando cheguei e, após toda uma noite de viagem, era preciso tomar
banho e descansar um pouco.
Logo ao
adentrar o perímetro urbano, veio-me a sensação de estar chegando a algum
pequeno e antigo povoado. Assim que vai se acabando a rodovia, deixando para trás
o último morro, dentre os vários que compõem aquele cenário, enxerga-se, à
cerca de uns dois quilômetros, um pequeno número de casas, para, em seguida,
fazer-se uma curva brusca, mudando de vez a sua direção. E é daí, então, que se
adentra, de fato, na pequenina cidade.
Fugindo
às ideias de segurança e comodidade, tão comuns às outras urbes, desfazendo-se
dos pensamentos de Kubistchek, que construíra a nossa capital bem no meio do
cerrado goiano, a prefeitura dos lagoenses – é esse o gentílico do lugar, está
encravada bem na entrada da cidade. O que me causara grande estranheza.
Antes de
se chegar à prefeitura, virando rapidamente as vistas para a esquerda, é
possível vislumbrar uma bela lagoa, que apenas mais tarde eu iria conhecer.
Também se pode notar um ostentoso ginásio e um complexo esportivo ainda a ser
terminado, contando com um campo de futebol e duas quadras de areia.
Assim
como me havia chamado a atenção, enquanto eu dirigia pelas estradas vizinhas,
desde o trevo de Pirapora até aquele ponto, o eucalipto parece ser a principal
árvore da cidade, podendo ser encontrado facilmente às margens do asfalto e
servindo como sombreamento ao complexo esportivo.
Descendo
até a cidade, é possível notar algumas casas simples, com um povo triste sempre
assentado à porta. E, como fosse de manhã, algumas mulheres, ainda com lenços
na cabeça e os olhos inchados, como que
acordadas de pouco, ainda tomavam o café com bolo, biscoito ou queijo.
Era final
do mês de Junho e fazia frio. Desci do carro próximo a uma gameleira enorme.
Alguns homens conversavam à porta de um boteco, enquanto outro, com um
chapeuzinho na cabeça, levantava as portas de uma verduraria. Algumas crianças
subiam para a escola, uniformizadas, com as bolsas nas costas. Uns meninos
conversavam escandalosamente, enquanto outros pareciam ainda despertarem de uma
noite mal dormida.
Um aluno
gritava um nome estranho. Parecia chamar por alguém que não o escutava. Até que
o homem parou e ambos continuaram. Pela bolsa que trazia às costas e o rosto
coberto por uma barba cerrada, devia ser algum professor. Era um sujeito
baixinho, gordo e com cara de poucos amigos, mas que conversava serenamente com
aquele menino.
Durante
um tempo, fiquei estagnado, olhando para a imensidão da gameleira que, com sua
sombra também enorme, devia cobrir todos os velhos bancos que havia naquele
lugar, e que precisavam de uma reforma, pois estavam quase todos quebrados ou
soltos das suas bases.
Notei que
um homem esquentava-se ao sol assentado num velho banco de cimento, do outro
lado da rua, longe dos que conversavam no boteco. Era já um senhor de cabelos
brancos e um pouco barrigudo que, às vezes cumprimentava um aluno, algum
sujeito que passasse de bicicleta ou uma senhora que fazia sua caminhada
matinal, mas, quase sempre, punha-se cabisbaixo, como se estivesse a cochilar.
- Olha,
moço; aqui você pode ficar nessa pousada perto do açougue, naquele hotel ali na
frente ou, se quiser, ainda tem o hotel da lagoa...
- E qual
o senhor me indica? – E a pergunta me veio mais para um início de conversa do
que mesmo por alguma observação. Mas, como um bom mineiro, ele se limitou a
dizer:
- Aí
depende do senhor, Todos eles estão aí.
Ainda
tentei algumas poucas investidas. Não obtendo sucesso, segui para o hotel mais próximo.
Precisava de um banho e café para esquentar o frio daquela cidade.
***
Durante
quase um ano permaneci em São João da Lagoa, pesquisando os costumes, as ideias
e as histórias daquele povo. Aos domingos, quando não estava perambulando por
alguma comunidade ou escrevendo partes do livro para o qual me contrataram,
passava toda a manhã assentado na pequena escadaria da lagoa, organizando
minhas ideias sobre o que escrever, remoendo as dores de se estar longe de casa
ou simplesmente observando as águas que, em pequenas ondas, como num balé,
dançavam para lá e para cá, lembrando-me sempre do poema de Bandeira.
Algumas
vezes, chegava-me um amigo e punha-se a contar algum caso antigo, talvez na
esperança de ter o seu nome eternizado nalguma página da futura obra. Às vezes,
pelas primeiras palavras do sujeito já notava que tudo aquilo não passava de
invencionices. Paciente, deixava que ele contasse toda a sua narrativa, para,
depois, despachá-lo com um “É uma boa história, mas, não é bem o que preciso”.
É verdade
que surgiram boas histórias, como a chegada de Caetanão ao Pitinha, apelido
carinhoso do lugar, e o causo de Maria das Facas, e, embora não houvesse provas
concretas sobre os fatos contados, era possível que eu as pusesse no livro, ao
menos no capítulo de causos e estórias.
Um
relato, porém, havia chamado verdadeiramente a minha atenção. E é por isso,
caro leitor, que me ponho dentro destas páginas, tomando parte do seu tempo e
da sua leitura, na tentativa de reavivar a sua atenção para o que hei de lhe
dizer.
Não
procure por esta passagem no livro da cidade. Assim como não busque pela boca
dos lagoenses, pois que essa é uma história velha, que nem mesmo os homens de
meia idade conhecem por inteiro. O que há são “achismos”, que se completam com
pequenas verdades e outras invenções, criando-se, desta maneira, a lenda de
Juca Pessoa.
A
história que até aqui você tem lido, caro e paciente leitor, foi me dita por
uma velha senhora, agora já falecida, que estivera junto do caixão de Juca e
presenciara todo o calvário de Catarina. Segundo ela me dissera numa das tantas
conversas que tivemos, era ainda uma menina, talvez com uns nove ou dez anos em
quando tudo aquilo acontecera. Dizendo-me, ainda, contar, à época da nossa
primeira conversa, já com mais de cem anos vividos.
Também eu
não acreditaria nas palavras da velha, se não tivesse ela apresentado-me todas
as cartas lidas por Catarina. Disse-me que as lembranças vinham como flashes em
sua cabeça. Que se lembrava bem de ambos, Juca e a menina, mas que os acontecimentos
chegavam meio apagados, sobressaltados, meio desconexos, como se fosse, tudo
aquilo, um filme já meio estragado, o que, segundo ela, explicava-se pela sua
avançada idade.
De
início, relutei-me em acreditar no que a velha dizia. Ainda que existissem, de
fato, aquelas cartas, contando tudo o que se passara com o velho Juca, desde
que saíra do sul da Bahia até a sua chegada no Pitinha, era difícil acreditar
que tudo aquilo tivesse acontecido de verdade.
Mantive
as cartas por algum tempo guardadas dentro de uma gaveta, sempre na dúvida se
as publicava no livro da cidade ou se as esquecia no ostracismo de alguma
valise, quando voltasse para casa.
Já tinha
eu comprovado a veracidade da história, pesquisando nas certidões de óbito do
cartório de Coração de Jesus, tendo encontrado os documentos de ambos, com as
causa-mortis e datas dos falecimentos de Juca e Catarina, quando decidi que
esta deveria ser uma história contada à parte, não com as inverdades ou
“achismos” dos que a contavam pelas ruas, mas, com as bases encontradas nas
palavras daquela velha e nas cartas que estavam aos meus cuidados.
É
louvável, então, caro leitor, que se compreenda toda a narrativa feita até este
ponto como sendo a mais pura verdade dos fatos, haja vista que foi desta forma
que tudo houvera acontecido.
Não
negarei o fato de, por preciosismo literário ou necessidade da teia narrativa,
ter floreado esta ou aquela passagem, como, da mesma maneira, é verdade que,
até aqui, os pensamentos e as falas de cada personagem tenham sido por mim
inventadas, haja vista que nem eu ou a velha que me contara os fatos estávamos
próximos dos personagens nas horas das dores e sofrimentos de ambos.
O que se
há de ler, daqui para frente, destes posso dizer que são verdades, uma vez que
todas as passagens e sentimentos foram eternizados por Juca, em forma de
cartas, numa linguagem simples, cheia de erros e, muitas vezes, quase
ilegíveis. Em tempo, as cartas não eram dirigidas a quem quer que fosse, como
se o homem quisesse apenas registrar tudo aquilo que sentia; os seus
sofrimentos, os seus anseios, enfim, a sua mísera vida.
Algumas
vezes, pensei em publicar as ideias de Juca mesmo em forma de cartas, mas
percebi que tudo isso não teria qualquer cabimento, pois não há nelas
destinatários ou datas, sendo incapaz, portanto, de situá-las no tempo e no
espaço.
Assim,
passemos à saga de Juca Pessoa, um sertanejo encravado em meio ao sol e às
dores de uma vida madrasta, sempre em busca de si mesmo, numa eterna volta em
torno de si.
e o próximo capítulo? Está parecendo série HBO ou Netflix.. a gente agenda dia e hora para assistir... ops ler :))
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