JUCA PESSOA - CAPÍTULO 7
Elismar Santos
O
cavalo seguia em passos lentos, preguiçosos, como se não quisesse cortar todo
aquele areal que tomava os trilhos do cerrado. O sol, àquela hora da manhã, já
castigava as costas do sertanejo e toda pequena sombra que surgisse de algum
desfolhado pé de pau já lhe era bem-vinda.
Juca se deixava jogar de um lado para outro
em cima do cavalo, enquanto olhava a paisagem ao seu redor: árvores pequenas e
secas, lobeiros, ingazeiros, mangabeiras, pequizeiros, além da vegetação rasteira
e espinhenta que o cavalo ia vencendo com dificuldade.
Alguns
urubus sobrevoavam a sua cabeça, talvez a espera de uma primeira alimentação. O
chapéu de couro, arredondado, mal lhe tampava a fronte e andava com os olhos
apertados, para enxergar em meio a toda aquela claridade. Vez ou outra achava
algum trilho feito por outro sertanejo que passara por ali há algum tempo.
Pensava que haveria de existir alguma casa por aquelas bandas; mas, depois de
andar algumas léguas, desistia da ideia.
Aquilo
era um impiedoso deserto em meio àquele matagal seco. Apenas alguns bichos,
muito poucos e pequenos, cortavam o seu caminho. Eram teiús, gambás, cobras,
seriemas, uns poucos e céleres veados, além de uns passarinhos que sempre
cantavam ao longe. Por vezes, ao entardecer, escanchava-se sobre o galho de
algum pequizeiro e ficava quietinho, apenas observando o trilar dos pássaros
que procuravam as melhores árvores para descansarem. Algumas maritacas faziam
algazarra num coqueiral, trinca-ferros e bem-te-vis entoavam canções tristes em
outra árvore, enquanto um solitário tucano carregava seu longo bico pelos ares.
Fazia
já alguns dias que perambulava por aqueles lados, vindo do sul da Bahia. Água
achara muito pouca desde que saíra da casa materna. Comida ainda conseguia nos
animais que via pela estrada. Alimentava-se dos teiús, tatus, gambás, seriemas
e das larvas que achava em algum pé de pau. Por algumas vezes tentara pegar um
veado ou alguma cabra perdida no mato, mas, faltavam-lhe forças para tal
intento. Limpava os bichinhos com seu canivete e assava-os no fogo que fazia em
beira de alguma grota ou pequena caverna, não sem antes se certificar de que
ali não morasse onça ou bicho peçonhento. É verdade que ainda não houvera visto
qualquer sinal de onça por onde passara, mas, sentia a impressão de que por ali
elas o estavam a observar.
O
fogo servia para lhe esquentar as noites frias, assar a comida caçada e
espantar os bichos e as muriçocas. O cavalo diminuía a sua solidão, conversava
o tempo inteiro com o animal, ainda que aquele não o respondesse. Quando a
solidão era tamanha que nem mesmo a companhia do equino a saciava, cantava as
velhas canções que sua mãe entoava quando lavava as roupas no riacho, e aquilo
apaziguava, ainda que muito pouco, o seu sofrimento.
Juca
era um homem duro, e, quando a solidão o vinha abraçar, cantava seco, como se
aquilo fosse apenas uma maneira de se manter vivo, de permanecer sóbrio, de
continuar o seu caminho, sem fraquejar frente às suas dores. Não aceitava o seu
padecimento, afinal, era homem e não podia gozar de qualquer frescura.
A
água era o que mais lhe fazia falta. No sertão baiano a água era um bem
precioso, mas a encontrava com certa abundância, durante algum tempo, no riacho
em que a mãe lavava as roupas e na cisterna que o pai abrira nos fundos da
casa.
Quando
começara o seu périplo, como seguisse margeando o riacho, ouvia a água
caminhando ao seu lado, como se fosse um amigo que o seguisse em seu destino;
mas, com o avançar da caminhada e as curvas da velha estrada, foram se
afastando, até que se vira solitário por aquele caminho seco e hostil. Tivera
que aprender a compreender a natureza e descobrir onde e como podia encontrar a
água desejada.
Durante
algum tempo permanecera sedento; depois, descobrira que podia se apropriar da
água que caía nas folhas, de noite, em forma de sereno. Assim, guardava um
pouco do líquido em sua cabaça durante a noite, andando de árvore em árvore,
colhendo o líquido retido e, durante o dia, bebericavam, ele e seu cavalo, em
goles espaçados, para que não se desidratassem.
Durante
vários dias não encontrara qualquer outra fonte de água. Nenhum rio, nascente
ou olho d’água lhe cortasse o caminho; o que lhe fazia crer que nenhum homem ou
mulher pudesse viver por aquelas bandas. Não sabia onde estava, nem para onde
estaria indo. Às vezes o sol lhe nascia do lado direito, noutras vezes aparecia
do lado esquerdo e, por várias, andara com o sol lhe batendo na cara. Ia ao
deus-dará, a espera de que em algum instante se chegasse em algum lugar.
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