segunda-feira, 25 de junho de 2018

JUCA PESSOA - CAPÍTULO 7


JUCA PESSOA  - CAPÍTULO 7

Elismar Santos

O cavalo seguia em passos lentos, preguiçosos, como se não quisesse cortar todo aquele areal que tomava os trilhos do cerrado. O sol, àquela hora da manhã, já castigava as costas do sertanejo e toda pequena sombra que surgisse de algum desfolhado pé de pau já lhe era bem-vinda.

   Juca se deixava jogar de um lado para outro em cima do cavalo, enquanto olhava a paisagem ao seu redor: árvores pequenas e secas, lobeiros, ingazeiros, mangabeiras, pequizeiros, além da vegetação rasteira e espinhenta que o cavalo ia vencendo com dificuldade.

Alguns urubus sobrevoavam a sua cabeça, talvez a espera de uma primeira alimentação. O chapéu de couro, arredondado, mal lhe tampava a fronte e andava com os olhos apertados, para enxergar em meio a toda aquela claridade. Vez ou outra achava algum trilho feito por outro sertanejo que passara por ali há algum tempo. Pensava que haveria de existir alguma casa por aquelas bandas; mas, depois de andar algumas léguas, desistia da ideia.

Aquilo era um impiedoso deserto em meio àquele matagal seco. Apenas alguns bichos, muito poucos e pequenos, cortavam o seu caminho. Eram teiús, gambás, cobras, seriemas, uns poucos e céleres veados, além de uns passarinhos que sempre cantavam ao longe. Por vezes, ao entardecer, escanchava-se sobre o galho de algum pequizeiro e ficava quietinho, apenas observando o trilar dos pássaros que procuravam as melhores árvores para descansarem. Algumas maritacas faziam algazarra num coqueiral, trinca-ferros e bem-te-vis entoavam canções tristes em outra árvore, enquanto um solitário tucano carregava seu longo bico pelos ares.

Fazia já alguns dias que perambulava por aqueles lados, vindo do sul da Bahia. Água achara muito pouca desde que saíra da casa materna. Comida ainda conseguia nos animais que via pela estrada. Alimentava-se dos teiús, tatus, gambás, seriemas e das larvas que achava em algum pé de pau. Por algumas vezes tentara pegar um veado ou alguma cabra perdida no mato, mas, faltavam-lhe forças para tal intento. Limpava os bichinhos com seu canivete e assava-os no fogo que fazia em beira de alguma grota ou pequena caverna, não sem antes se certificar de que ali não morasse onça ou bicho peçonhento. É verdade que ainda não houvera visto qualquer sinal de onça por onde passara, mas, sentia a impressão de que por ali elas o estavam a observar.

O fogo servia para lhe esquentar as noites frias, assar a comida caçada e espantar os bichos e as muriçocas. O cavalo diminuía a sua solidão, conversava o tempo inteiro com o animal, ainda que aquele não o respondesse. Quando a solidão era tamanha que nem mesmo a companhia do equino a saciava, cantava as velhas canções que sua mãe entoava quando lavava as roupas no riacho, e aquilo apaziguava, ainda que muito pouco, o seu sofrimento.

Juca era um homem duro, e, quando a solidão o vinha abraçar, cantava seco, como se aquilo fosse apenas uma maneira de se manter vivo, de permanecer sóbrio, de continuar o seu caminho, sem fraquejar frente às suas dores. Não aceitava o seu padecimento, afinal, era homem e não podia gozar de qualquer frescura.

A água era o que mais lhe fazia falta. No sertão baiano a água era um bem precioso, mas a encontrava com certa abundância, durante algum tempo, no riacho em que a mãe lavava as roupas e na cisterna que o pai abrira nos fundos da casa.

Quando começara o seu périplo, como seguisse margeando o riacho, ouvia a água caminhando ao seu lado, como se fosse um amigo que o seguisse em seu destino; mas, com o avançar da caminhada e as curvas da velha estrada, foram se afastando, até que se vira solitário por aquele caminho seco e hostil. Tivera que aprender a compreender a natureza e descobrir onde e como podia encontrar a água desejada.

Durante algum tempo permanecera sedento; depois, descobrira que podia se apropriar da água que caía nas folhas, de noite, em forma de sereno. Assim, guardava um pouco do líquido em sua cabaça durante a noite, andando de árvore em árvore, colhendo o líquido retido e, durante o dia, bebericavam, ele e seu cavalo, em goles espaçados, para que não se desidratassem.

Durante vários dias não encontrara qualquer outra fonte de água. Nenhum rio, nascente ou olho d’água lhe cortasse o caminho; o que lhe fazia crer que nenhum homem ou mulher pudesse viver por aquelas bandas. Não sabia onde estava, nem para onde estaria indo. Às vezes o sol lhe nascia do lado direito, noutras vezes aparecia do lado esquerdo e, por várias, andara com o sol lhe batendo na cara. Ia ao deus-dará, a espera de que em algum instante se chegasse em algum lugar.


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