A SAGA DE JUCA PESSOA- CAPÍTULO 16
Ainda era madrugada quando
Juca seguiu de volta para a casa do amigo. Deixou Margarida preparando o almoço
e disse que voltaria logo. Precisaria convencer o amigo, mas cria fazê-lo
dentro de pouco tempo.
Dentro de si, Margarida
sentia que aquela ideia de Juca talvez não fosse a melhor, mas, não queria
dizer nada, não conhecia o tal Marciel e nem saberia o quê e por que dizer.
Apenas sentia um mau pressentimento, como já houvera sentido diversas outras
vezes. Com certeza, alguma bobagem sua.
A viagem era longa. O cavalo
seguia em passos lentos, sem que o homem o apressasse. Era como se nenhum dos
dois quisesse voltar à velha casa. Juca sabia que voltar seria relembrar o
passado, ver novamente o amigo tirando leite de Melada, sem camisa, com todos
os músculos dançando, com sua pele suada e a barba por fazer.
Um sentimento estranho
tomava conta de Juca. Sentia que amava Margarida, mas, embora tentasse, nunca conseguiria
esquecer Marciel. Não sentia, por conta própria, desejos por aquele homem, mas,
instintivamente, tinha vontade de tocá-lo, sentir os seus músculos, roçar o seu
rosto na barba dele.
Esses pensamentos faziam com
que se envergonhasse. Tinha pudor de pensar essas coisas. Estava pecando, sabia
que estava; mas não sabia o que fazer. Durante quase toda a viagem, rezara o
Rosário, mas, este sempre era entremeado pelas lembranças do amigo, como se
fosse um atentação, pronta a tirá-lo do caminho a ser seguido.
Embora fizesse frio, o sol
queimava-lhe a fronte. A cabeça doía e tinha sede. Parou debaixo de uma
gameleira e tirou uma cabaça do alforje, bebeu da água barrenta que trouxera da
casa de Margarida e sentiu saudades da sua esposa. Queria tê-la ali junto de
si, para que ambos pudessem se deitar debaixo daquela árvore. Ela lhe faria
cafuné, beijaria a sua boca calorosamente e fariam amor por um longo tempo.
Enquanto se lembrava da
mulher, viu que um cavaleiro vinha em sua direção. Juca não possuía nenhuma
arma e lembrou-se das palavras do coronel. Era preciso ter uma arma. O velho
era esperto, ao mesmo tempo em que era um tolo: de que adianta aquele monte de
armas guardadas numa estufa, se ela estava sempre aberta. Quando voltasse, se
oportunidade tivesse, pegaria uma daquelas para si.
O cavaleiro vinha lento ao
encontro de Juca. O seu cavalo não era grande e o homem trazia na cabeça um
velho chapéu, estava sem camisa e trazia um sorriso nervoso no rosto.
- O que era feito de você,
meu amigo? Tenho te procurado por aí há algum tempo.
Saiu sem agradecer, sem
dizer coisa alguma, como se fugisse de algum entrevero.
Juca reconhecera o
amigo. A sua voz ainda era suave,
prazerosa aos seus ouvidos, embora viesse com um ar de irritação. Levantara-se
e, sem tirar os olhos do amigo, esperou que descesse para lhe dar um abraço.
Sentiu o coração de Marciel batendo
forte, assim como o seu estava saltitando em seu peito. A barba do amigo roçava
o seu rosto e isso lhe causava uma sensação estranha, uma sensação boa, embora pecaminosa.
- Perdão, meu amigo. Eu tinha coisas a
fazer. Não era justo que ficasse na sua casa, feito estorvo, apenas comendo e
bebendo, sem que lhe pudesse ajudar.
Enquanto falava, Juca olhava fundo nos
olhos do amigo e via-os brilhar. Sentia-se envergonhado pelo que fizera. Havia
traído a sua confiança e, ainda assim, fora recebido com um abraço.
- Andei por algum tempo sem rumo, até
que encontrei uma casa, uma esposa (e essa palavra lhe saiu dolorosa da boca) e
um trabalho a fazer.
Marciel estava imóvel, escutando as
palavras do amigo. Mantinha ainda o brilho nos olhos, mas, não demonstrava
qualquer sentimento. Era como se estivesse paralisado, impossibilitado de fazer
qualquer movimento ou reação.
- Arrumei-me nas terras de um tal coronel
Gregório. Margarida, a minha esposa, trabalha em sua casa. Ele tem uma fazenda
de tamanho quase incalculável e quer que desmatemos boa parte para a feitura de
carvão. Quer plantar capim, botar gado de leite, de corte, além dos carneiros
que já cria por lá. Peguei tudo para cortar de meia, e você vem pra me ajudar.
O homem não dissera qualquer palavra
por um longo tempo. Montou novamente no seu cavalo e já se virando para casa,
ordenou:
- Vamos embora. Já é quase noite, tenho
que botar Melada no curral. Além disso, você já deve estar com fome.
Ambos seguiram em silêncio. Marciel ia
à frente. Juca observava como ele era elegante na montaria. Andava com um porte
altivo, com a rédea a altura do peito, como se desfilasse com o seu cavalo, um
pangaré que, mesmo desprovido de beleza, não se enfeava perto do seu dono.
Não demoraram a chegar a casa. Ambos
desceram, Juca foi tomar um banho, enquanto o amigo punha Melada no curral. O
rancho continuava sem qualquer mudança, embora precisasse de uma limpeza. As
vasilhas estavam sujas e o chão coberto por folhas secas.
No jantar, conversaram amenidades. Juca
procurou entrar aos poucos nos assuntos que se referiam à Margarida e à
carvoeira. Não queria melindrar o amigo. Precisaria dele na empreitada, assim
como o queria ao seu lado, como nos tempos em que estavam ambos naquela casa.
Não foi difícil convencer Marciel a
seguir para as terras do coronel. Mas este pedira ainda uma semana, para que
pudesse cuidar das coisas de casa, tinha algumas plantas para cuidar, assuntos
a serem resolvidos; coisas mínimas ainda por fazer.
Juca aceitara a condição imposta pelo
amigo. Embora soubesse que nada havia a ser resolvido naquele lugar,
compreendia e respeitava os pensamentos de Marciel. Tudo aquilo havia de ser
novo para ele. Mudaria de lugar, sairia da sua rotina para viver em um lugar
distante, desconhecido, com outras pessoas e outras situações. Agora não eram
mais apenas os dois, Margarida estaria entre eles, talvez como um complemento,
quiçá como a separação dos amigos.
Depois de tudo resolvido, poucos
assuntos foram falados. Juca relembrou todo o caminho que traçou até chegar à
casa de Margarida, das impressões que tivera ao adentrar a casa do coronel e
dos pensamentos que tinha para quando ganhassem o dinheiro do carvão que produziriam.
Certamente, teriam serviço para mais de ano. Ficariam ricos com todas aquelas
árvores derrubadas.
Marciel pouco falava. Escutava as
palavras do amigo e assentia-as com a cabeça. Depois, reclamou que estava
cansado com todo o trabalho que fizera durante o dia e foi dormir.
Juca deitou na rede e ficou se
lembrando de Margarida. O que estaria ela fazendo àquela hora? Já era tarde,
talvez já estivesse dormindo, sonhando com o seu corpo junto ao dela,
penetrando-a, esquentando a sua pele, enquanto beijava a sua testa.
De repente, virou-se para o lado e viu
que Marciel já dormia. Tinha os olhos fechados e a respiração tranquila. Ele
estava mesmo cansado. Sem o amigo para cuidar da casa, tinha que cuidar de
todos os afazeres. Tinha sido mesmo um ingrato: depois de tudo o que Marciel
lhe tinha feito, deixou-o sozinho naquela casa e fugira.
O homem dormia tranquilo, enquanto Juca
o observava. Tinha vontade de se levantar da rede, deitar junto dele e
abraçá-lo, como abraçava Margarida. Subitamente, envergonhou-se desse
pensamento; benzeu-se e pôs-se a rezar silenciosamente, até que o sono viera e
ele dormiu, sonhando com Margarida e Marciel.
Durante toda a semana, padecera
daquelas tentações, enquanto o amigo ajeitava as coisas para que pudessem
partir. Até que, numa madrugada fria, saíram ambos a cavalo. Marciel levava uma
bolsa com suas poucas roupas, uma capanga com os apetrechos para o cigarro e a
vaquinha melada sendo puxada por uma corda. Juca seguia ao seu lado, feliz por
levar consigo o seu amigo, mas, sem saber se aquilo era o melhor a se
fazer.
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