A SAGA DE JUCA PESSOA
CAPÍTULO 14
A casa do coronel Gregório era enorme. Do alto do morro, antes de se
chegar ao córrego já se podia avistá-la. Os currais encobriam uma parte, com os
carneiros fazendo algazarra. Uma pequena barragem represava a água que deveria
descer pelo córrego, que havia se transformado em estrada. O que corria era um
filete de água que mal batia nos calcanhares de quem a pé atravessasse.
Juca atravessara a cancela com Margarida na garupa do cavalo. Desceram
até o córrego, onde apearam para melhor admirar a paisagem. Ele seguira o
percurso do córrego por alguns metros, cuidando-se para não escorregar nas
Lages, e a avistara um poço com bastante água, onde daria para, vez ou outra,
tirar um mergulho, quando chegasse o tempo do calor.
A esposa já tinha ido para a cozinha, enquanto ele se enchia de coragem
para conversar com o coronel. Nunca tinha visto aquele homem e o que sabia
sobre ele vinha da boca de Margarida. Fazia alguns anos que ela trabalhava
naquela fazenda e, por isso, dizia que “Seu” Gregório era um homem justo.
Severo, mas, justo. E isto lhe bastava.
Ao adentrar a sala, o homem já o esperava. Era baixinho dos olhos
arregalados; o nariz era afilado e cheio de pintinhas negras, pequeninos cravos
envelhecidos na pele do velho. Usava camisa “Volta ao Mundo” e calça social de
um tom amarronzado; não era gordo, mas, a sua baixa estatura deixava-o com um
aspecto avantajado. As botas brilhavam e o salto marcava o ritmo dos seus
passos, enquanto andava de um lado a outro da sala, sobre o encerado piso de
madeira.
A sala era enorme, talvez todo o tamanho da casa de Margarida. Contava
com uma estante enorme, toda trabalhada no formão e toda lustrada com óleo de
peroba. O sofá era todo de couro, com as pernas minúsculas cuidadosamente
torneadas e uma mesinha de centro, onde ficava o cinzeiro e os charutos que o
velho fumava a todo instante, sem grandes intervalos.
Apesar de todo o luxo, apenas as armas chamaram a atenção de Juca. O
coronel ostentava, a um canto da sala, numa estufa de vidro, alguns revólveres,
espingardas, espadas e facões. As observações de Juca foram rápidas, mas,
demorou-se um pouco nas armas, alimentando o ego do coronel.
- Eu fiz carreira no exército, meu jovem. Lutei em várias frentes e,
como prêmio, ganhei algumas honrarias, a patente de coronel e uma pequena
fortuna que tenho investida aqui e em apartamentos na Capital. Lá deixei mulher
e filhos e tenho ficado por aqui por esses tempos, pois, como você já deve
saber “O olho do dono é que engorda o gado”... No meu caso, os carneiros.
E o homem ria frouxo, como se tivesse dito a mais engraçada de todas as
piadas. Juca continuava sério, ainda junto à porta, admirando as armas do
coronel.
- Vejo que você gostou das minhas armas. As espadas e os revólveres são
da época do exército, assim como algumas dessas espingardas. Os facões comprei
na Capital, quando já pensava em vir de vez para estas bandas. Aqui é terra de
ninguém, vive que tem juízo, coragem e algumas armas em punho.
Margarida preparava o café na cozinha e um cheiro bom adentrava a sala.
Cheiro de café coado, broa de milho e queijo fresco. Juca estava com fome. Como
tinham levantado de madrugada, haviam comido há algum tempo e a barriga já
começava a roncar.
- Sente-se, meu filho. Não precisa ficar acanhado. Soube que você é o
novo homem de Margarida. Ela trabalha pra mim há anos, desde que seus pais
morreram. Pobres desgraçados. Era gente honesta, trabalhadores, mas o velho
bebia muito e numa noite qualquer, enquanto a mulher e a menina dormiam, ele
arranjou uma desavença na cidade. Dizem que brigou, bateu, apanhou e pensou ter
ficado por isso mesmo. Depois, uns dois dias passados, enquanto dormiam,
invadiram a sua casa. Ninguém sabe quem foi. Mataram os velhos e deixaram a
menina fugir.
- Eu ainda quis trazê-la para morar comigo, mas, Margarida insistia que
lá era o seu lugar; que tinha que cuidar da casa e esperar pela volta dos pais.
Juca escutava com atenção as palavras do velho, enquanto observava a
estufa com as armas.
- Ela cresceu. Ficou uma moça bonita e trabalhadeira. De tudo que
preciso, ela faz aqui em casa. Se tivesse vindo para cá, talvez hoje eu fosse o
seu homem...
E a risada do coronel vinha mais forte, como se tentasse provocar o seu
interlocutor. Juca, no entanto, mesmo com raiva daquele velho safado,
controlava-se e esboçava um falso sorriso, tentando mudar o rumo daquela
conversa. Mas, antes que começasse a falar, Margarida chegara com o café, que o
coronel Gregório já degustava prazeroso.
CAPÍTULO 15
De café tomado, saíram ambos a campear. Gregório já sabia do assunto a
ser tratado, mas, antes que o forasteiro tocasse no assunto, queria testá-lo,
conhecê-lo um pouco mais, saber se poderia confiar.
Andaram por toda a manhã. O coronel ia mostrando cada cantinho da
fazenda, desfiando todo o rosário de como conseguira tudo aquilo, afirmando que
até mesmo a casa em que Margarida morava era sua propriedade, pois, com a morte
dos pais da menina, fora ele, ainda que de forma indireta, quem tomara conta
dela, guiando o seu futuro e orientando os seus passos.
Juca, a cada instante, enojava-se mais daquele homem, mas cria que seria
ele a ponte para o futuro que ele e Margarida tanto desejavam. Por isso,
aturava-o e, por muitas vezes, fingia concordar com as suas palavras, enquanto
iam a trotes curtos observando cada pé de pau que haveria de ser cortado:
Cedros, Jacarandás, Tinguis, Sucupiras, Jatobás... De acordo com o coronel tudo
aquilo deveria ir ao chão, servindo para o carvão ou não. O importante era que
se limpasse toda aquela área, até que se chegasse ao córrego lá embaixo. Ali
deveria se plantar capim; encheria tudo de gado, venderia o leite, a carne e os
bezerrinhos para as empresas e os criadores de Montes Claros e da Capital.
Juca não gostava daquela ideia. As chuvas já estavam escassas e a poeira
já tomava conta de todo aquele lugar. Mesmo em frente à casa de Margarida,
quando passava algum cavaleiro mais apressado ou algum rebanho de gado, a
poeira tomava conta do ambiente, tornando-se quase impossível a respiração.
Mas, precisava do dinheiro e tinha que aceitar aquilo.
Desertificaria o lugar, para
frutificar a sua vida. Haveria de voltar à casa de Marciel, chamá-lo para o
trabalho. Trariam a Melada e teriam o leite para as noites de frio. Faria o
rancho na parte de cima da fazenda e de lá desceriam até a beira do córrego.
Daria para tirar um bom dinheiro e ainda teria junto de si a esposa e o amigo.
Juca e o coronel voltaram já na hora do almoço. O velho exigiu que
ficasse. Fazia tempos que não comia com gente de fora, sempre era apenas ele
naquela mesa. Margarida comia sozinha na cozinha. Trazia a comida de casa, já
fria, e nunca aceitava sentar-se à mesa.
O homem pensou recusar, mas, o melhor era acatar as ordens do velho,
afinal, dele dependia o seu futuro. Margarida também se sentou à mesa, ao lado
do marido e, enquanto se desvencilhava das pernas do velho, que tentava roçar
as suas por debaixo da mesa, escutava a conversa que ambos travavam.
Eles faziam planos para toda a área a ser desmatada. Os carvoeiros
teriam uma bateria com sete fornos, um carroção com dois bois carreiros para o
transporte da lenha, machados e uma pequena feira que o velho faria para que
passassem o mês. Margarida haveria de continuar cuidando dos afazeres da sede,
mas, teria a liberdade para preparar o almoço para eles. Na parte da tarde,
depois do serviço pronto, se quisesse, podia subir para ajudá-los.
A mulher sentia-se feliz com todos aqueles planos e, embora não gostasse
das atitudes do coronel, tinha a certeza de que ele cumpriria com o combinado.
Ela e Juca haveriam de ser felizes.
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