Juca estava na carvoeira
quando ouviu os gritos de Margarida. Eram gritos fortes e doídos, cheios de
sofrimento. Marciel estava tirando a munha do forno e veio ligeiro para junto
do amigo. Tinham que correr. Com certeza, a criança já estava nascendo, Juca
seria pai.
Margarida caminhava de um
lado para outro quando os dois chegaram. Juca não sabia o que fazer, pensou em
pedir ajuda ao coronel, mas, e se o bebê cismasse de nascer antes que ele
voltasse. Tinham que ter levado a mulher para a cidade. Sabia que o dia já
estava chegando, mas ele só se preocupava com o carvão e com as noites na casa
do Coronel. Não dava mais tempo para qualquer viagem. Levá-la no lombo de um
cavalo para a cidade seria suicídio, morreriam ela e a criança no meio da
estrada. Estava resolvido: ele e o amigo fariam o parto de Margarida.
Marciel estava trêmulo,
amarelo, como se sentisse medo de tudo aquilo. Parado a um canto, olhava para
Juca e Margarida como se visse algum bicho a sua frente. Parecia não ter forças
para fazer coisa alguma.
Juca viu que não poderia
contar com o amigo. O melhor seria deixá-lo do lado de fora do rancho até que a
criança nascesse e tudo estivesse resolvido.
- Marciel, traga uma bacia
com água e ponha ao lado da cama, junto com um pano limpo. Deixa a tesoura por
perto e vai lá pra fora. Você não será de muita ajuda aqui dentro. Quando ouvir
o choro do menino, pode vir para dentro.
Ele nunca houvera feito um
parto, nem nunca tinha visto uma criança nascer. Ouvia apenas a mãe contar
casos de crianças que nasciam com o umbigo enrolado no pescoço e de mães que
morriam na hora do parto. Sabia que tinha que cortar o umbigo da criança e
torcia para que Margarida não morresse.
A mulher suava frio,
enquanto o marido segurava a sua mão. Suavemente, Juca passava o pano úmido na
testa de margarida e pedia para que ela se acalmasse, enquanto rezava em
silêncio Padres-Nossos e Ave-Marias.
Do lado de fora, Marciel
andava de um lado para outro, nervoso, assoviando uma música triste. Estava
preocupado e sentia medo. A lua estava cheia e fazia frio. Fazia tempo que
Margarida estava deitada, sentindo dores, com o marido esperando pela chegada
do seu filho.
Juca sentia a esposa quase
desfalecendo e conversava coisas fúteis com ela. Tentava mantê-la acordada,
apertava a sua mão e beijava a sua testa. Sentia as dores que a esposa sentia e
tinha medo de que ela morresse, de que o menino não se salvasse. Não sabia o
que fazer, apenas rezava e esperava.
Margarida gritava. As pernas
abertas eram forçadas contra a parede, enquanto apertava as mãos do marido com
toda a sua força. Buscava o seu último suspiro, na esperança de que a criança
nascesse e chorava. Chorava de dor, chorava de medo, chorava de remorso.
Já era madrugada quando a
criança nascera. A luz da lamparina estava fraca e Juca mal conseguia divisar
os traços da criança. Entristecera-se ao ver que era uma menina. Queria um
homenzinho, para ajudá-lo a cuidar da fazenda, para correr atrás do gado que
teria, para aumentar toda a riqueza que haveria de conquistar.
Margarida chorava
copiosamente com a menina nos braços. O marido a tinha enrolado numa toalha que
achara por ali e, agora, ela mamava sossegada, enquanto fazia frio do lado de
fora.
A menina era bonita.
Assentado à beira da cama, Juca olhava para o rostinho do bebê. A luz fraca não
permitia ver os traços, mas, sabia que era bonita. Tinha os olhos da mãe e o
rostinho lembrava um pouco as feições de Marciel. Aquele pensamento perturbava
Juca. Estava cansado e com certeza estava imaginando coisas. Deu um beijo em
Margarida e sentiu os seus lábios frios, sem vontade, como se não quisesse beijá-lo.
Besteiras. Estava cismando com coisas à toa.
Marciel entrara timidamente no rancho,
aproximou-se da cama onde Margarida e a menina dormiam, abençoou a criança e voltou
para fora. Juca não disse qualquer palavra, apenas olhou para o amigo e sentiu
desprezo por aquele homem. Alguma coisa corroia a sua alma naquele instante.
O amigo não dormiu no rancho
àquela noite. Deitara-se à beira dos fornos, numa esteira que pusera sobre o
carroção. De madrugada, pegou o cavalo e partiu, levando Melada puxada por uma
corda.
Juca não entendia o porquê
daquela fuga. Lembrava-se da pergunta que o coronel o havia feito numa das
noites em sua casa e desconfiava. Margarida ainda dormia, quando o marido saíra.
Não tinha ido trabalhar. Desceu até o córrego, sentou-se e começou a pensar na
vida. Lembrou-se de tudo o que havia passado naquele ano, dos sonhos que alimentava
para o seu futuro junto de Margarida, de quanto o amigo andava estranho desde
que a esposa havia engravidado. E Juca tecia ideias, matutava coisas em sua cabeça.
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