sexta-feira, 6 de julho de 2018

JUCA PESSOA - CAPÍTULO 18


Juca estava na carvoeira quando ouviu os gritos de Margarida. Eram gritos fortes e doídos, cheios de sofrimento. Marciel estava tirando a munha do forno e veio ligeiro para junto do amigo. Tinham que correr. Com certeza, a criança já estava nascendo, Juca seria pai.

Margarida caminhava de um lado para outro quando os dois chegaram. Juca não sabia o que fazer, pensou em pedir ajuda ao coronel, mas, e se o bebê cismasse de nascer antes que ele voltasse. Tinham que ter levado a mulher para a cidade. Sabia que o dia já estava chegando, mas ele só se preocupava com o carvão e com as noites na casa do Coronel. Não dava mais tempo para qualquer viagem. Levá-la no lombo de um cavalo para a cidade seria suicídio, morreriam ela e a criança no meio da estrada. Estava resolvido: ele e o amigo fariam o parto de Margarida.

Marciel estava trêmulo, amarelo, como se sentisse medo de tudo aquilo. Parado a um canto, olhava para Juca e Margarida como se visse algum bicho a sua frente. Parecia não ter forças para fazer coisa alguma.

Juca viu que não poderia contar com o amigo. O melhor seria deixá-lo do lado de fora do rancho até que a criança nascesse e tudo estivesse resolvido.

- Marciel, traga uma bacia com água e ponha ao lado da cama, junto com um pano limpo. Deixa a tesoura por perto e vai lá pra fora. Você não será de muita ajuda aqui dentro. Quando ouvir o choro do menino, pode vir para dentro.

Ele nunca houvera feito um parto, nem nunca tinha visto uma criança nascer. Ouvia apenas a mãe contar casos de crianças que nasciam com o umbigo enrolado no pescoço e de mães que morriam na hora do parto. Sabia que tinha que cortar o umbigo da criança e torcia para que Margarida não morresse.

A mulher suava frio, enquanto o marido segurava a sua mão. Suavemente, Juca passava o pano úmido na testa de margarida e pedia para que ela se acalmasse, enquanto rezava em silêncio Padres-Nossos e Ave-Marias.

Do lado de fora, Marciel andava de um lado para outro, nervoso, assoviando uma música triste. Estava preocupado e sentia medo. A lua estava cheia e fazia frio. Fazia tempo que Margarida estava deitada, sentindo dores, com o marido esperando pela chegada do seu filho.

Juca sentia a esposa quase desfalecendo e conversava coisas fúteis com ela. Tentava mantê-la acordada, apertava a sua mão e beijava a sua testa. Sentia as dores que a esposa sentia e tinha medo de que ela morresse, de que o menino não se salvasse. Não sabia o que fazer, apenas rezava e esperava.

Margarida gritava. As pernas abertas eram forçadas contra a parede, enquanto apertava as mãos do marido com toda a sua força. Buscava o seu último suspiro, na esperança de que a criança nascesse e chorava. Chorava de dor, chorava de medo, chorava de remorso.

Já era madrugada quando a criança nascera. A luz da lamparina estava fraca e Juca mal conseguia divisar os traços da criança. Entristecera-se ao ver que era uma menina. Queria um homenzinho, para ajudá-lo a cuidar da fazenda, para correr atrás do gado que teria, para aumentar toda a riqueza que haveria de conquistar.

Margarida chorava copiosamente com a menina nos braços. O marido a tinha enrolado numa toalha que achara por ali e, agora, ela mamava sossegada, enquanto fazia frio do lado de fora.

A menina era bonita. Assentado à beira da cama, Juca olhava para o rostinho do bebê. A luz fraca não permitia ver os traços, mas, sabia que era bonita. Tinha os olhos da mãe e o rostinho lembrava um pouco as feições de Marciel. Aquele pensamento perturbava Juca. Estava cansado e com certeza estava imaginando coisas. Deu um beijo em Margarida e sentiu os seus lábios frios, sem vontade, como se não quisesse beijá-lo. Besteiras. Estava cismando com coisas à toa.

 Marciel entrara timidamente no rancho, aproximou-se da cama onde Margarida e a menina dormiam, abençoou a criança e voltou para fora. Juca não disse qualquer palavra, apenas olhou para o amigo e sentiu desprezo por aquele homem. Alguma coisa corroia a sua alma naquele instante.

O amigo não dormiu no rancho àquela noite. Deitara-se à beira dos fornos, numa esteira que pusera sobre o carroção. De madrugada, pegou o cavalo e partiu, levando Melada puxada por uma corda.

Juca não entendia o porquê daquela fuga. Lembrava-se da pergunta que o coronel o havia feito numa das noites em sua casa e desconfiava. Margarida ainda dormia, quando o marido saíra. Não tinha ido trabalhar. Desceu até o córrego, sentou-se e começou a pensar na vida. Lembrou-se de tudo o que havia passado naquele ano, dos sonhos que alimentava para o seu futuro junto de Margarida, de quanto o amigo andava estranho desde que a esposa havia engravidado. E Juca tecia ideias, matutava coisas em sua cabeça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário