Às quatro e trinta da
manhã, Lina já estava de pé. Enquanto a água fervia, fez suas ablações, olhando
na tela do celular as fofocas do Whatsapp, vendo as fotos no Insta, invejando
os posts do Face. Todo dia era a mesma coisa, e isto já a estava irritando.
Queria viajar, ir à praia, tomar uísque na banheira, como faziam as atrizes da tv.
Um
dia Lina haveria de ser rica. Por isso, jogava todas as segundas, quartas e
sextas na Lotofácil. Eram sempre os mesmos números; sempre no mesmo caixa,
sempre à mesma hora. Fazia já uns três anos que jogava. Dois, cinco, sete,
oito, nove, dez, doze, treze, quatorze, quinze, dezoito, vinte, vinte e um, vinte
e dois, vinte e três. Ao menos uma vez a cada quinze dias, fazia onze pontos e
recuperava quatro reais do que havia gastado nos jogos. Mas ela queria mais.
Queria mesmo era fazer os quinze pontos. Ficar rica. Largar a vassoura num
canto. Viajar e tomar uísque.
Às
cinco e meia, já varria a rua Treze, por onde sempre começavam. Era uma
sexta-feira. Não era uma sexta-feira treze. As meninas conversavam sobre o que
fizeram à noite, enquanto a poeira tomava conta da rua ainda escura. A luz
fraca do poste não mostrava a irritação de Lina. Aquelas fotos, as meninas conversando
destarameladas, a poeira subindo, entrando pelo nariz, pela garganta, a boca
seca. Lina tinha vontade de ser rica, tomar uísque, largar a vassoura de vez.
As
meninas nunca varriam as ruas direito. Pérola falava sobre o namorado. Ele
nunca a deixava satisfeita e ela sempre repetia a mesma coisa; que arrumaria
outro; só não o deixava porque ele tinha dinheiro; porque ele pagava a sua
faculdade. Lina nunca gostara das meninas, eram todas fuxiquentas, preguiçosas.
Pérola era sem vergonha. Desde o primeiro dia não fora com a sua cara. E,
quando fosse rica, nem se lembraria mais de Pérola, nem das outras. Muito menos
da rua Treze.
Geralmente
saíam às nove; mas, como as meninas conversassem mais do que nos outros dias,
Pérola falasse das posições que o namorado tentara, das vezes que havia
falhado, do encontro que tivera com um amigo dele, antes que ele chegasse,
terminaram às nove e trinta. Lina estava nervosa. Por isso não gostava delas,
nunca se preocupavam com o que faziam, com a hora, com o que ela precisava
fazer.
Como
de costume, com a vassoura na mão, passara na mercearia e comprou uma caixinha
de cerveja, da mais barata, pois era final de mês e o dinheiro não daria até o
pagamento. A lotérica estava cheia. Se tivesse chegado às nove e dez,
certamente estariam apenas os dois velhinhos, que sempre jogavam na Mega àquela
hora. Eles já não estavam lá. Deixara a caixinha e a vassoura a um canto e se
pusera a cutucar o celular.
Jogara
os mesmos números e pegou a caixinha de cerveja. Já estava na esquina quando se
lembrara da vassoura. Voltou para buscá-la e já saía quando anunciaram o assalto.
Como já tivesse na porta, tentou correr. Um tiro bem na cabeça e tudo ficou
escuro. Lina não ficaria mais rica, não veria as meninas, não varreria mais a
rua Treze, também não precisaria mais levantar às quatro e trinta.
De
noite, pérola comemorava com o namorado os números sorteados da Lotofácil: Dois,
cinco, sete, oito, nove, dez, doze, treze, quatorze, quinze, dezoito, vinte,
vinte e um, vinte e dois, vinte e três. Ele nunca tinha roubado um cartão de
jogo, mas aqueles números na mão daquela mulher chamaram a sua atenção.
A cerveja estava quase empedrando. A vassoura
continuava à porta da lotérica, enquanto Lina era enterrada silenciosamente no
cemitério da cidade, quase como indigente. Apenas uma das meninas fora
reconhecer o corpo. Pérola também não gostava dela. Mas sempre gostara de tomar
uísque na banheira com o namorado, ou com o amigo do namorado.
Meu Deus,caríssimo confrade, se pudesse, seria como a Lina, mas não para ber isque, mas ganhar o prêmio e montar uma editora, só para prestigiar, pessoas assim, como você, simples e grande escritor. Parabéns, não de um amigo, mas de um fiel e grande admirador.
ResponderExcluirContista e tanto! E como!!!!
ResponderExcluirO existencialismo sempre presente!
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