quinta-feira, 15 de novembro de 2018

BERNADETE SILVA


Conheci a Bernadete nos tempos de rádio. Ela tinha uma voz grossa, potente, imponente mesmo. Chegou numa manhã agitada, quando os telefones não paravam de tocar, e, sem cerimônias, pediu uma oportunidade. Sempre quisera ser locutora de rádio. Crescera ouvindo Paulo Lopes, Eli Correia e Zé Bétio. Treinava em casa diariamente, falando em latinhas de salsicha, conversando com a voz empostada de frente ao espelho, repetindo o que falavam os grandes locutores. Puseram-na para atender o telefone. Se desse, um dia, colocariam-na ao microfone.

Durante quase um ano, Dete, pois assim passamos a chamá-la, embora não gostasse, mas respondesse, por educação, ficara detrás da mesinha, recebendo as ligações dos ouvintes, anotando os pedidos musicais, repassando as ligações para o estúdio, quando alguma ouvinte mais assanhada insistia em falar com um dos locutores. Nunca reclamara; mas também não escondia que o seu desejo era estar do outro lado do vidro, falando, oferecendo músicas e abraços aos seus ouvintes cativos.

Enquanto falávamos ao microfone, era comum a vermos balançar os braços no ar, como sempre fizera o Amadeu, balançar a cabeça, como fazia o Dagoberto, e repetir as palavras que pronunciávamos à nossa audiência. E aquilo nos tocava profundamente. Por isso, reunimo-nos, numa manhã de Agosto, quando ela ainda não tinha chegado, e, cerimoniosamente, pedimos ao diretor que a deixasse falar. Tiraríamos uma hora dos nossos programas e daríamos a ela. Também passaríamos a atender às ligações, para que ela não se sobrecarregasse. Acordamos todos, então, que Bernadete Silva seria mais uma das possantes vozes da nossa rádio.

Lembro-me, claramente, da felicidade de Bernadete ao saber da sua promoção. Não nos agradeceu, mas, prometeu se esforçar ao máximo para que, um dia, pudesse alcançar o patamar em que nós estávamos. E, rapidamente, ela nos alcançou. Com sua voz forte e seu gênio decidido, trabalhava todos os dias com a voracidade de um leão, sempre sorridente e prestativa, correndo atrás de propagandas, fazendo serviços bancários, produzindo e apresentando programas de domingo a domingo. Não queria folga nem férias. O trabalho era a sua distração.

Com sua força de vontade e seu talento, Bernadete conquistou o seu espaço na rádio e, logo, sem que isso fosse surpresa para nós, chegou ao, antes tão desejado por todos nós, poderoso cargo de diretora. Como primeiro ato, numa modorrenta tarde de sexta-feira, reuniu-nos em sua sala e, agradecendo pelos serviços prestados, disse que todos estávamos dispensados. A rádio teria, a partir de então, um novo rumo a ser seguido, com uma cara nova, com locutores jovens e dinâmicos, e, portanto, nossos serviços não seriam mais necessários. Nós havíamos criado um monstro.


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