segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O RIO DE VINÍCIUS


Na televisão, preferencialmente, tenho assistido aos programas esportivos, sobretudo os que falam dos times mineiros; primordialmente, aqueles que falem sobre o Galo. Caso contrário, fico ligado no rádio, primando pelas ondas do AM, que tocam, quase sempre, esporte e música velha. Mas, vez ou outra, dou um pulo nos canais jornalísticos, que é para descortinar um pouco das minhas utopias, que é para pisar um pouco sobre a triste realidade em que vivemos, e, como contraponto, por vezes, descanso a mente nos filmes de Faroeste.

            Durante as manhãs, após as caminhadas, quando caço pequi e esfrio a cabeça das dores na coluna, leio, deitado na velha rede, duas ou três Crônicas de Vinícius de Moraes, que é pra não esquecer que a poesia ainda nos é indispensável, e que devemos respirá-la, ao menos uma vez ao dia, para que não nos embebamos demasiadamente das mazelas que nos rodeiam.

            Hoje, contrariando a minha rotina, não cochilei após o almoço, assim como não me ative aos programas esportivos. Munido de uma raquete, peguei-me a torrar as muriçocas que se proliferaram depois das chuvas, enquanto assistia ao noticiário, tentando separar os barulhos das muriçocas, as conversas na calçada e as informações debatidas na TV.

            Numa bancada, quase formando um U, o âncora falava sobre a retirada da Força Nacional de Segurança do Rio de Janeiro, que haverá de acontecer ainda no findar deste ano, passando a palavra aos debatedores, afirmando, porém, antes, que de nada tem resolvido essa intervenção. Ainda não tenho conversado com as pessoas de lá sobre a situação, mas, lembrei-me imediatamente do Poetinha e sobre como haveriam de ser as suas Crônicas neste tempo de incertezas.

            Após um breve instante de reflexão, eis que a minha alma novamente se apaziguou.  Certamente que o Vinícius não avexaria, embora uma dor metaforicamente o roesse por dentro. Placidamente, tomaria mais um gole de uísque e reafirmaria todas as esperanças que apenas os poetas possuem, ainda que muitas vezes disfarçadas em melancolia e incongruências; depois, sentaria-se defronte ao mar e, observando as mocinhas que porventura passassem pela praia naquele instante, comporia mais uma música, escreveria mais um poema e, por fim, amaria a vida como se não houvesse o amanhã, pois, convenhamos, tudo sempre há de melhorar.

            Assustei-me com o clarão, enquanto um pipocar estranho me feria os ouvidos.  Não eram tiros de fuzis. Também eu não estava na praia, tomando uísque com o Poetinha. Eram apenas as muriçocas que vinham, feito camicazes, bater direto na tela da raquete. Os jornalistas já não debatiam mais sobre política. Falavam agora sobre músicas, que em nada lembravam Vinícius, crônicas ou poesias.  

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