sábado, 10 de novembro de 2018

EVERALDO, O POETA!



Enquanto caminhava pelas ruas solitárias da pequena cidade, lembrava-se do poeta Everaldo. Aquele era um poeta simples, sem grandes pretensões e sem vínculo com as panelinhas literárias da cidade; talvez por isso, ainda não fosse, deveras, reconhecido. Mas, era, de fato, o maior poeta que ele conhecera. O poeta já devia estar adormecido em seu leito, no aconchego do seu lar, sonhando as tantas veracidades que sempre dizia nos botecos, enquanto tomavam cachaça e jogavam porrinha.

Os poemas do Poeta, pois, entre os amigos, já não o chamavam de Everaldo, em nada deixavam a desejar aos clássicos poemas nacionais. Não sabiam se este era o seu nome, afinal, todo poeta pode ser um outro ser a cada instante; por isso, convencionou-se, entre os mais diletos, chamá-lo pela alcunha, e isto bastava. Não eram muitos os amigos, apenas cinco, ou seis, que se reuniam quase diariamente na praça da igreja, descendo pela esquina do Pelotão policial, passando pela rua do meio, com uma breve parada na Gameleira, até que se chegasse ao posto de gasolina, onde faziam os botecos da redondeza, todos os quatro, até que o galo cantasse pelos lados das casinhas.

Everaldo não versava suas Elegias, Odes e Sonetos em qualquer simples ocasião. Para ele a Poesia era um ser superior e, por isso, só devendo ser recitada em momentos especiais, acompanhado de violão e coros enternecidos. Assim, declamava-os sempre depois da meia-noite, quando a bebida já lhe havia subido à cabeça, acompanhado pelo dedilhar preguiçoso do violão de Amarildo, sob o entoar descompassado de Clarinda, uma velha desarrazoada que quase sempre aparecia meio tonta.

Assentando-se na murada da velha casa, olhando para a rua escura, via um cachorro que dormia tranquilamente no fosso do lava-jato, e lembrava-se de Everaldo. Certamente que aquela cena daria um mote para o Poeta, que, incorrigível, como sempre fazia, recitaria-os mentalmente e guardaria-os para uma ocasião propícia, recitando, solenemente, versos que diriam verdades que ninguém haveria de contestar e nem mesmo desdizer.

A verdade é que Everaldo talvez fosse mais que poeta. Quiçá fosse ele a voz da desrazão que todos, em algum momento, sempre quisessem ser, mas que, por questões de razoabilidade, nunca ousavam mostrar. E assim, de boteco em boteco, iam todos seguindo o Poeta, bebendo cachaça e ouvindo as coisas que somente ele tinha coragem de dizer.

Já era tarde. O sono batia, os olhos pesavam e alguns poemas já lhe subiam à cabeça. Não podia, aquilo eram coisas para Everaldo, que já devia estar num sono muito mais além da poesia. O melhor a fazer era ir para casa. Talvez amanhã tudo se resolveria e, quem sabe, o amigo, lhe permitisse uma nesga de poesia.  

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