Enquanto caminhava
pelas ruas solitárias da pequena cidade, lembrava-se do poeta Everaldo. Aquele
era um poeta simples, sem grandes pretensões e sem vínculo com as panelinhas
literárias da cidade; talvez por isso, ainda não fosse, deveras, reconhecido. Mas,
era, de fato, o maior poeta que ele conhecera. O poeta já devia estar
adormecido em seu leito, no aconchego do seu lar, sonhando as tantas veracidades
que sempre dizia nos botecos, enquanto tomavam cachaça e jogavam porrinha.
Os poemas do Poeta,
pois, entre os amigos, já não o chamavam de Everaldo, em nada deixavam a
desejar aos clássicos poemas nacionais. Não sabiam se este era o seu nome, afinal, todo poeta pode ser um outro ser a cada instante; por isso,
convencionou-se, entre os mais diletos, chamá-lo pela alcunha, e isto bastava.
Não eram muitos os amigos, apenas cinco, ou seis, que se reuniam quase
diariamente na praça da igreja, descendo pela esquina do Pelotão policial,
passando pela rua do meio, com uma breve parada na Gameleira, até que se
chegasse ao posto de gasolina, onde faziam os botecos da redondeza, todos os
quatro, até que o galo cantasse pelos lados das casinhas.
Everaldo não versava
suas Elegias, Odes e Sonetos em qualquer simples ocasião. Para ele a Poesia era
um ser superior e, por isso, só devendo ser recitada em momentos especiais,
acompanhado de violão e coros enternecidos. Assim, declamava-os sempre depois
da meia-noite, quando a bebida já lhe havia subido à cabeça, acompanhado pelo
dedilhar preguiçoso do violão de Amarildo, sob o entoar descompassado de
Clarinda, uma velha desarrazoada que quase sempre aparecia meio tonta.
Assentando-se na murada
da velha casa, olhando para a rua escura, via um cachorro que dormia
tranquilamente no fosso do lava-jato, e lembrava-se de Everaldo. Certamente que
aquela cena daria um mote para o Poeta, que, incorrigível, como sempre fazia,
recitaria-os mentalmente e guardaria-os para uma ocasião propícia, recitando,
solenemente, versos que diriam verdades que ninguém haveria de contestar e nem
mesmo desdizer.
A verdade é que
Everaldo talvez fosse mais que poeta. Quiçá fosse ele a voz da desrazão que
todos, em algum momento, sempre quisessem ser, mas que, por questões de razoabilidade,
nunca ousavam mostrar. E assim, de boteco em boteco, iam todos seguindo o
Poeta, bebendo cachaça e ouvindo as coisas que somente ele tinha coragem de
dizer.
Já era tarde. O sono
batia, os olhos pesavam e alguns poemas já lhe subiam à cabeça. Não podia,
aquilo eram coisas para Everaldo, que já devia estar num sono muito mais além
da poesia. O melhor a fazer era ir para casa. Talvez amanhã tudo se resolveria
e, quem sabe, o amigo, lhe permitisse uma nesga de poesia.
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