segunda-feira, 5 de novembro de 2018

OS SONHOS DE PEDRO


Elismar Santos

Era sempre a mesma coisa: levantava, tomava o café e assentava-se debaixo da mangueira. Durante todo o dia ficava lá, pensando, criando, imaginando as muitas vidas que um dia haveria de ter. E Pedro sonhava em ser aviador, bombeiro, paraquedista, construtor de naves espaciais, lenhador de árvores nórdicas. Durante todo o dia ele sonhava e, à noite, quando o cansaço batia e os olhos, pesados, se fechavam, vivia todas as suas vidas em atropelo.

 A mãe de Pedro, empregada doméstica na casa de uma família rica, saía antes que o dia clareasse. O pai, poeta sem recursos e estivador aposentado, passava todo o dia no cais, perambulando pelos botecos, escrevendo poemas em guardanapos, jogando Porrinha com outros desocupados, mexendo com as meninas que olhavam os marinheiros em busca de maridos potenciais.

A mãe deixava o almoço sobre o fogão: Arroz, Feijão e um naco de carne seca. O pai nunca chegava para o almoço. Comia qualquer coisa pelas ruas e, à noite, quando o menino já estava dormindo, chegava embriagado e dava umas sovas na mulher, para que ela soubesse quem mandava naquela casa. Pedro, chorando, via, por debaixo da coberta, toda aquela cena. E imaginava que um dia haveria de acabar com tudo aquilo.

O menino já frequentara a escola, durante um tempo; mas ela era muito longe. Não tinha dinheiro para o ônibus e alguém tinha que olhar a casa; no subúrbio todo cuidado é sempre pouco. A mangueira ficava bem de frente a casa. Ele trancava a porta dos fundos, fechava as janelas e, enquanto sonhava, olhava a casa velha, de adobe, pequenina, bem à beira do barranco. Então, fechava os olhos e construía, de um fôlego só, uma casa enorme, com piscina e um monte de empregados. E ele era feliz sonhando.

Um dia, enquanto a mãe preparava o almoço na casa dos patrões e o pai escrevia mais um poema, que ninguém leria, num pequeno guardanapo fedido de cerveja, Pedro fechou as janelas, trancou a porta e saiu. Não se assentou debaixo da mangueira e nem sonhou seus velhos sonhos. Caminhou lentamente, sem olhar para trás. Um dia ainda haveria de voltar. Levaria a mãe consigo. Iam morar numa casa grande. Longe do pai e daquele barranco.

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