Elismar Santos
Era sempre a mesma coisa:
levantava, tomava o café e assentava-se debaixo da mangueira. Durante todo o
dia ficava lá, pensando, criando, imaginando as muitas vidas que um dia haveria
de ter. E Pedro sonhava em ser aviador, bombeiro, paraquedista, construtor de
naves espaciais, lenhador de árvores nórdicas. Durante todo o dia ele sonhava
e, à noite, quando o cansaço batia e os olhos, pesados, se fechavam, vivia
todas as suas vidas em atropelo.
A mãe de Pedro, empregada doméstica na casa de
uma família rica, saía antes que o dia clareasse. O pai, poeta sem recursos e
estivador aposentado, passava todo o dia no cais, perambulando pelos botecos,
escrevendo poemas em guardanapos, jogando Porrinha com outros desocupados,
mexendo com as meninas que olhavam os marinheiros em busca de maridos
potenciais.
A mãe deixava o almoço
sobre o fogão: Arroz, Feijão e um naco de carne seca. O pai nunca chegava para
o almoço. Comia qualquer coisa pelas ruas e, à noite, quando o menino já estava
dormindo, chegava embriagado e dava umas sovas na mulher, para que ela soubesse
quem mandava naquela casa. Pedro, chorando, via, por debaixo da coberta, toda
aquela cena. E imaginava que um dia haveria de acabar com tudo aquilo.
O menino já frequentara
a escola, durante um tempo; mas ela era muito longe. Não tinha dinheiro para o ônibus
e alguém tinha que olhar a casa; no subúrbio todo cuidado é sempre pouco. A
mangueira ficava bem de frente a casa. Ele trancava a porta dos fundos, fechava
as janelas e, enquanto sonhava, olhava a casa velha, de adobe, pequenina, bem à
beira do barranco. Então, fechava os olhos e construía, de um fôlego só, uma
casa enorme, com piscina e um monte de empregados. E ele era feliz sonhando.
Um dia, enquanto a mãe preparava
o almoço na casa dos patrões e o pai escrevia mais um poema, que ninguém leria,
num pequeno guardanapo fedido de cerveja, Pedro fechou as janelas, trancou a
porta e saiu. Não se assentou debaixo da mangueira e nem sonhou seus velhos
sonhos. Caminhou lentamente, sem olhar para trás. Um dia ainda haveria de
voltar. Levaria a mãe consigo. Iam morar numa casa grande. Longe do pai e
daquele barranco.
Realmente incrível 👏👏
ResponderExcluirVocê é do tamanho dos seus sonhos.
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