terça-feira, 22 de outubro de 2019

ARNALDO

Quando Arnaldo chegara ao Sarará, Reis estava na Capital, cursando a faculdade de Direito. Viera descendo o São Francisco até chegar em Pirapora, onde ficou por um tempo mexendo com pesca e venda de peixes. Contava pouco mais de vinte anos, era tranquilo e trabalhador. Ia às missas ao domingo e gostava de tomar sua cachaça todos os dias, no fim de tarde, no boteco à beira do rio, enquanto via as águas correndo de um lado para outro.

Numa noite de lua, enquanto degustava a sua cachaça comendo um fritado de traíra, os homens da polícia vieram buscá-lo. Falaram sobre um roubo no pesqueiro, que haviam indicado a sua participação, que tinham encontrado o dinheiro e as tralhas no seu barraco e, por isso, ele estava preso.

Sem qualquer crime cometido de fato, Arnaldo ficara um mês encarcerado e, sem emprego ou esperanças à beira-rio, com medo de que de novo armassem-lhe alguma, resolveu adentrar pelo interior; mexeria com gado, trabalharia como caseiro, faria carvão ou plantaria roça de milho, mas não ficaria mais no Velho Chico.

Seu Lourenço não pedira qualquer recomendação. Era acostumado a lidar com jagunços, capangas e homens de toda índole. Logo viu que aquela era uma boa alma e, por isso, deixou que ficasse no casebre do Angico, faria de tudo, junto com os outros empregados, que haveriam de ensiná-lo as tarefas diárias.

O Angico lembrava as Tabocas e a sua mãe. A velha tinha ficado na Bahia, toda chorosa, encostada junto à porta, enquanto ele saía em busca de algum futuro. Ainda tentara, sem sucesso, fazê-lo ir em busca do irmão, na Lapa. Um dia haveria de visitá-lo, mas, por ora, naquela cidade, apenas pegara o Benjamin Guimarães, cheio de esperanças e saudades, com o coração sentido pelas maldades dos ribeirinhos.

Só depois, ainda antes que  Doutor Reis chegasse, é que havia se mudado para junto da sede. Arnaldo ia aos poucos ganhando a confiança do velho e com isso a cada dia se aproximava mais da casa grande.

Quando Doutor Reis chegara, Arnaldo ficara incumbido de acompanhá-lo. Seu Lourenço já não tinha forças para tomar conta de toda aquela imensidão de terras, muitos dos homens já tinham ido para outras bandas e a chuva já começava a rarear. O velho dizia que não haveria mais o que fazer, que depois que partisse, o filho aguentasse ainda um tempo, até que a negra se fosse, até que a última vaca morresse. Daí fizesse o que fosse necessário, mas que fosse homem como ele.

O Doutor, enquanto o velho padecia, tratou de gozar os prazeres do lugar, sempre com Arnaldo à tiracolo. Eram como se fossem velhos amigos, ambos de idades próximas e vontades parecidas, mas sempre lembrando que nunca seriam iguais.

Arnaldo era sujeito simples, sem maldades, sem grandes anseios aparentes. Quando estava junto do patrãozinho, queria o que aquele quisesse; procurava ficar em silêncio, sempre solícito às conversas do Doutor, embora quase sempre muito pouco entendesse. E quando estava sozinho, sonhava em ser patrão, contrair matrimônio e ter um monte de filhos. Divertia-se com o patrão, mas tudo por ordens de Seu Lourenço, que não demorava em partir.

Depois, com a morte do velho, Doutor Reis não foi mais o menino de outros tempos. Tornou-se num homem de boa prosa, palavras difíceis e justiça franca. Tentava levar o Sarará o mais alto que pudesse, mas tinha a ciência de que nunca seria igual ao italiano. Nunca. E talvez fosse isso que o inflava nas contas de Arnaldo.

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