Doutor Reis lia, assentado numa velha poltrona de couro, um calhamaço da história de Riobaldo e via em cada detalhe pedaços do Sarará. Por vezes, até pensava em filmar ali alguma estória criada a partir do Romance de Guimarães. Mas tais pensamentos ficavam apenas em sua mente. Faltava coragem para pô-los em prática e, por isso, preferia ficar observando Arnaldo com suas ignorâncias; a esposa com as suas novenas e promessas pela chuva; o sol encaminhando a vida de toda aquela gente.
Sarará já fora uma grande fazenda, com muito gado, cana de açúcar, extensas plantações de feijão, milho,mandioca e um incontável número de empregados. Mas isso tinha sido na época do Velho Lourenço, quando as chuvas eram frequentes no norte de Minas e o povo ainda tinha alguma coragem para trabalhar.
Dos muitos empregados sobraram Arnaldo e a esposa. Ele da época do velho; ela prenda nova, trazida há pouco da Bahia, em quando o vaqueiro visitara um irmão que morava pelos lados do Bom Jesus.
A esposa do Arnaldo era menina nova, embora trouxesse no rosto as marcas da velhice causadas pelo sol, pela lida no campo, pelo sofrimento nordestino. Não contava ainda os trinta anos, mas seu rosto cansado lhe dava um ar de maturidade precoce e uma seriedade respeitosa. Vivia fazendo novenas e prometendo prendas aos santos pelas chuvas que quase nunca chegavam.
Ela não olhava nos olhos e quase nunca dizia qualquer palavra. Se falava, eram coisas necessárias, a mando do marido ou em casos de extrema urgência, quando o mesmo não estivesse em casa ou não pudesse fazê-lo. Ficava quase todo o tempo em casa, com a cabeça coberta por um lenço encardido e as unhas enegrecidas pelas cinzas do fogão a lenha.
Ainda assim, com todas as suas maledicências, a esposa do Arnaldo era uma mulher bonita. Tinha os seios durinhos, como têm as mocinhas de tenra idade, sem usar sutiã, deixando-os transparecer por entre os minúsculos buracos dos vestidos velhos rasgados. As coxas eram torneadas e a bunda grande, balançando ingenuamente enquanto ela corria de um lado para outro a fim de aviar o almoço do marido, pegando as folhas verdes na roça, colhendo a pimenta na bacia, buscando água na cisterna.
Doutor Reis, assentado na velha poltrona de couro, fechava o livro por um instante e punha-se a observá-la. Arnaldo era mesmo um cara de sorte, tinha uma mulher sem maldades, que certamente o amava, com os atributos de uma senhora de casa e com a flama das moças da rua. Enquanto ele, com todo o seu nome e dinheiro continuava sozinho. Acompanhado de uma negra velha que fazia os trabalhos de casa, a comida e lavava as suas roupas; mas sem ninguém que lhe saciasse os desejos do corpo.
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