- Não adiantam os impropérios. Nesta canícula, a sofreguidão é o que impera. - Doutor Reis dizia com a voz mansa e o suor descendo pela testa.
Arnaldo, bastante encabulado, silenciava-se sem entender os dizeres do patrão. Era sempre a mesma coisa, começavam uma conversa qualquer e logo o homem vinha com aquelas palavras difíceis; coisas de advogado, homem de família rica, estudado desde novo na capital e que tinha voltado para cuidar das terras do pai.
Não tinha o que reclamar do Doutor Reis. Homem justo, correto. Mas bom mesmo era o velho Lourenço. Que Deus o tenha em bom descanso. Ainda tinha lenha para mais alguns anos; mas as coisas divinas não devem ser contestadas e se morreu é porque já era chegada a sua hora. Arnaldo havia aprendido isso com sua mãe, uma velha benzedeira dos lados das Tabocas, que sempre o recriminava quando questionava alguma coisa de Deus. Crendeuspai!
Ninguém sabia ao certo de onde viera Seu Lourenço, mas eram várias as versões sobre o homem. Uns diziam que tinha vindo das partes do Sul, fugindo de uma das tantas guerras nos Pampas; outros diziam que era filho de uma mulher da vida que havia se casado com um senhor de Cacau na Bahia e tendo matado os pais num átimo de fúria por alguma banalidade, tinha fugido para estas bandas, onde poderia plantar o seu império.
O que a maioria aceitava, no entanto, sobretudo por lhes parecer mais heroico, era o dito de que viera o velho, ainda rapaz, das bandas italianas. Diziam que ele fugia da guerra, tendo se trancafiado num caixão de morto, viajando por vários meses no porão de um navio, comendo carne de rato e bebendo a água que descia do convés.
Lourenço era um homem alto, gordo e muito branco. Suas bochechas eram rosadas e seus cabelos bastante negros. O velho morreu sem nenhum fio branco na cabeça, assentado debaixo de uma velha e enorme mangueira, olhando a igrejinha que há pouco havia sido findada em homenagem a São Judas, o Santo das causas impossíveis. Estava comendo uma coxa de frango e tomava um vinho trazido por um caixeiro-viajante que viera dos lados sulinos.
Doutor Reis tinha a feição do Seu Lourenço. Mas não tinha jeito, ele não era o velho. Era somente um homem justo e correto. Talvez por isso nunca seria o italiano. Nunca.
Maravilhosa narrativa! Como sempre. Parabéns!!!
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