terça-feira, 15 de outubro de 2019

O CHEIRO DAS PROFESSORAS


As professoras de antigamente tinham o cheiro da profissão. Esta afirmativa pode parecer estranha ao leitor mais desavisado, mas para mim sempre foi assim. Todas elas tinham um perfume diferente, perfume que nunca mais encontrei ou, quem sabe, nunca mais me lembrei. A verdade é que a infância me chega quase sempre pelos cheiros, por sensações ou por vagos lampejos recordativos.

Dos tempos de escola, lembro-me do cheiro da sopa de letrinhas, do “achocolatado” de morango, do beijo da diretora quando hasteei a bandeira, talvez numa semana da pátria, das músicas que cantávamos para ir ao lavabo antes da merenda, dos cortes que ganhei na cabeça quando apanhei de um garoto bem mais velho, de Caetano dormindo debruçado na carteira durante uma das aulas e eu tentando fazer o mesmo.

As lembranças são vagas, mas, paradoxalmente, são fortes. Lá se vão três décadas dos anos iniciais, quando as turmas ainda eram na escolinha, próximo ao hospital “Novo”, e nós estudávamos nos “CBAs”, cujo significado eu nunca soube; mas as lembranças teimam em permanecer: Dona Angelina dizendo para a minha mãe “Pode levar o menino, quando ele quiser ficar sem chorar a senhora traz” e eu voltando só no ano seguinte, sob a tutela de Dona Benedita, cuja lembrança mais viva é uma foto de formatura já amarelecida no velho álbum.

O cheiro das professoras ainda permaneceria por algum tempo, com Dona Raimunda e seu olhar altivo, sua voz grave e seu jeito distante. Os carinhos ficavam por conta da diretora, que me colocava para hastear a bandeira, da vice-diretora que me alisava o cocuruto enquanto falava, de Dona Marleninha que me pintara o rosto durante um dos carnavais na escolinha. O cheiro das professoras era inocente, e com o tempo haveria de se perder na correria diária da vida adulta.

Dona Sérgia e Dona Dilma mantiveram ainda aquele cheiro. Aquela com sua voz mansa e seu olhar generoso, impulsionando o menininho gordo de olhos arregalados para que escrevesse um livreto sobre “A Minha Pátria”, que seria exposto no Banco do Brasil, na praça da Matriz e que minha mãe, apesar de todo o esforço despendido, não conseguiria arrematar para guardar de recordação. Essa tinha os traços de Dona Raimunda, de quem era irmã. Dona Dilma era uma mulher forte, que tinha a voz firme, distante e imponente, exigindo, ainda que mudamente, todo o nosso respeito.

Nunca mais me lembrei do cheiro das professoras. Não do cheiro em si. As lembranças são de que elas tinham um cheiro peculiar, um perfume professoral, que me causava encanto, medo, respeito, admiração.E talvez por isso também eu tenha me tornado professor. Talvez também eu tenha algum cheiro de professor. E, quem sabe, talvez um dia alguém também diga “Ele foi meu professor”. E isso me bastará.



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