As professoras de
antigamente tinham o cheiro da profissão. Esta afirmativa pode parecer estranha
ao leitor mais desavisado, mas para mim sempre foi assim. Todas elas tinham um
perfume diferente, perfume que nunca mais encontrei ou, quem sabe, nunca mais me
lembrei. A verdade é que a infância me chega quase sempre pelos cheiros, por
sensações ou por vagos lampejos recordativos.
Dos tempos de escola,
lembro-me do cheiro da sopa de letrinhas, do “achocolatado” de morango, do
beijo da diretora quando hasteei a bandeira, talvez numa semana da pátria, das
músicas que cantávamos para ir ao lavabo antes da merenda, dos cortes que ganhei
na cabeça quando apanhei de um garoto bem mais velho, de Caetano dormindo
debruçado na carteira durante uma das aulas e eu tentando fazer o mesmo.
As lembranças são vagas,
mas, paradoxalmente, são fortes. Lá se vão três décadas dos anos iniciais,
quando as turmas ainda eram na escolinha, próximo ao hospital “Novo”, e nós
estudávamos nos “CBAs”, cujo significado eu nunca soube; mas as lembranças
teimam em permanecer: Dona Angelina dizendo para a minha mãe “Pode levar o
menino, quando ele quiser ficar sem chorar a senhora traz” e eu voltando só no
ano seguinte, sob a tutela de Dona Benedita, cuja lembrança mais viva é uma
foto de formatura já amarelecida no velho álbum.
O cheiro das professoras
ainda permaneceria por algum tempo, com Dona Raimunda e seu olhar altivo, sua
voz grave e seu jeito distante. Os carinhos ficavam por conta da diretora, que
me colocava para hastear a bandeira, da vice-diretora que me alisava o cocuruto
enquanto falava, de Dona Marleninha que me pintara o rosto durante um dos
carnavais na escolinha. O cheiro das professoras era inocente, e com o tempo
haveria de se perder na correria diária da vida adulta.
Dona Sérgia e Dona Dilma
mantiveram ainda aquele cheiro. Aquela com sua voz mansa e seu olhar
generoso, impulsionando o menininho gordo de olhos arregalados para que
escrevesse um livreto sobre “A Minha Pátria”, que seria exposto no Banco do
Brasil, na praça da Matriz e que minha mãe, apesar de todo o esforço
despendido, não conseguiria arrematar para guardar de recordação. Essa tinha os
traços de Dona Raimunda, de quem era irmã. Dona Dilma era uma mulher forte, que
tinha a voz firme, distante e imponente, exigindo, ainda que mudamente, todo o
nosso respeito.
Nunca mais me lembrei do
cheiro das professoras. Não do cheiro em si. As lembranças são de que elas
tinham um cheiro peculiar, um perfume professoral, que me causava encanto,
medo, respeito, admiração.E talvez por isso também eu tenha me tornado
professor. Talvez também eu tenha algum cheiro de professor. E, quem sabe,
talvez um dia alguém também diga “Ele foi meu professor”. E isso me bastará.
belíssimo texto, poeta!
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