Com a morte da mãe, Reis fora mandado à Capital novamente, agora para estudar o Direito e se formar em doutor. Mal tinha voltado para casa depois de terminar o ensino médio quando, numa noite de muito calor, a mãe, que era cheia de pequenas dores e reclamações, sofrera um dor forte no peito e morreu nos braços de Lourenço.
O pai exigiu que a família guardasse o luto necessário e, assim que se viram todos desobrigados da tradição, ordenou que o rapaz voltasse aos estudos. Longe do Sarará, Carlos Henrique tinha ficado um tempo na vadiagem, aproveitando a vida nos botecos, deitando-se com as mulheres da vida, estudando o mínimo para não tomar pau e levar sova do velho. Morria de medo pai, sujeito de poucas palavras e mão pesada para os tabefes, olhar profundo e intimidador, justo e encorajado aos castigos paternos.
Depois de um tempo, pegou gosto pelo direito e também pelas poesias regadas a bebidas e cigarros, as quais sempre aconteciam nas casas dos colegas. Às vezes se apaixonava e punha-se destarameladamente a versejar; depois, com o espírito solidário dos poetas, fazia odes, elegias, sonatas e canções que falavam sobre coisas vagas, divagações e devaneios.
Engraçou-se com uma negrinha que trabalhava na casa de um colega, pensou em amasiar-se, mas, com a doença do pai, desfez-se do pensamento. Não teria coragem de mostrá-la ao velho Lourenço, além do mais, tudo aquilo eram coisas desnecessárias. Recebeu o diploma em cerimônia solitária, tendo justificado plausivelmente a causa à reitoria e, logo, desceu para casa.
No Sarará, encontrou Lourenço já decadente, mas ainda com as ideias inteiras. Resolveu que aprenderia rápido os seus ensinamentos e, logo que o pai lhe faltasse, buscaria a negrinha para junto de si. Com o tempo, porém, esqueceu-a de vez e viu que realmente eram coisas desnecessárias.
Arnaldo tornou-se o amigo necessário. Era um homem quase mudo, de palavras humildes e sem grandes pretensões. Ouvia tudo o que o patrãozinho dizia, chamando-o por Doutor, concordando candidamente, ainda que Reis compreendesse que quase nada o homem entendia, pois procurava usar de palavras difíceis, das quais, muitas, nem ele próprio conhecia o significado.
Carlos Henrique tranformara-se em Doutor Reis, um jovem advogado respeitado pelos vizinhos do Sarará e bajulado pelos empregados do velho, que aos poucos foram sendo despedidos da fazenda, restando Arnaldo e a negra, que ajudara os pais a criá-lo e de quem o velho o fizera prometer que nunca se desfaria. Ouvia muito o pai e conversava quase todo o tempo com Arnaldo, levando-o para as festas, os botecos e a casa de Catarina, onde ela mantinha umas meninas bonitinhas.
O Doutor Reis se esbaldava junto das meninas de Catarina, enquanto Arnaldo mantinha-se sentado junto ao balcão, cochilando e esperando pela hora de ir embora. O advogado ria do amigo e ordenadava que lhe dessem o de beber, para ver até onde aguentaria o pobre diabo.
Arnaldo era mesmo um homem bom. E embora Reis não aceitasse, gostava de ouvir as suas opiniões, sempre tímidas e cheias de velados perdões pela ousadia de pensar. Falava palavras poucas e simples, mas chegavam cheias de profundidades filosóficas e sociológicas, assim como são os pensares de todos os sertanejos e catrumanos, homens sofridos, cheios de sapiências. Talvez por isso falasse difícil e quase sempre procurava colocar poréns nós pensamentos de Arnaldo.
E isso quase nunca o deixava dormir sossegado. Quase nunca.
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