Quinta-feira, 03 de Outubro de 2019
A noite cai lentamente em Brasília. Faz muito calor e os ratos já começam a passear pelos caibros do telhado. Talvez amanhã eu encontre coragem para matá-los. Hoje me falta ânimo para qualquer atividade, afinal, foram mais de nove horas sacolejando dentro de um ônibus, assentado numa poltrona velha apertada, junto de um velho que tossia a cada dois minutos. O sono me embriagava, mas as pálpebras teimavam em não se fecharem e, quando vi que não dormiria de jeito algum, apelei para os cafezinhos de cada parada. Agora estou cansado e com azia, olhando os ratos que passeiam pelos caibros.
Cheguei ainda antes do almoço. Desci na rodoviária nova, peguei o metrô, outro ônibus e desci para a Cidade Estrutural, um emaranhado de casas simples, algumas de alvenaria, a maioria (assim como a que habitarei por estes meses) de madeirite. Fazia tempo que ninguém a habitava e por isso passei horas trabalhando na limpeza, no asseio da velha casa. Assim como me dissera o seu dono, que me alugara por preço módico, e mora na Candangolândia, todas estas casas são fruto de uma invasão acontecida em meados dos anos mil novecentos e noventa. Dissera ainda que Roriz havia prometido regularizá-las e o Buarque tentou derrubá-las. Ninguém conseguiu qualquer êxito e todas as casas continuam no mesmo lugar. Poucos têm condições de construí-las de alvenaria e os que possuem alguma condição não se arriscam a fazê-lo, vai que o governador derruba!
Comprei pouca coisa no mercadinho, pois não penso em ficar muito tempo. Assim que me arrumar, alugo um quarto na Ceilândia ou Taguatinga e quando entrar no funcionalismo público, mudo para uma das Asas e vou viver a vida de granfino. Por enquanto, me contento em observar os ratos e ouvir os tiros lá fora. Já está escuro, todos os portões estão trancados e as únicas pessoas que perambulam pelas ruas a esta hora são os homens e mulheres que voltam do trabalho - em sua maioria faxineiras e trabalhadores da construção civil, grande parte vindos do nordeste em busca de melhores condições de vida - além dos malandros que vendem drogas nas bocas ou vigiam as entradas da cidade.
A luz já foi embora umas duas vezes. Os ratos derrubaram a vasilha de farinha que estava sobre a geladeira. A boca está seca, pedindo uma cerveja gelada, como as que eu tomava todas as noites no bar do Romildo. Os tiros dão uma pausa e depois voltam, talvez para me lembrar que não estou mais no interior de Minas. Ainda não liguei para os velhos, que devem estar preocupados, olhando esperançosos para o celular, enquanto o caldeirão de feijão ferve no fogão de lenha. Um sujeito grita no meio da rua, a sirene da polícia passa desesperada. Tiros pipocam. Talvez seja melhor deitar debaixo da cama, pois amanhã será um novo dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário