A chuva caía forte depois de muito tempo. As novenas e promessas de Candinha tinham surtido efeito. Talvez ainda desse para salvar ao menos o feijão e isto já seria de agradecer. Foi muito tempo de sol, as árvores agradeciam e os passarinhos cantavam enquanto tomavam o banho dos céus.
Relampiava e trovejava, mas Arnaldo não podia parar. Tinha que chegar em casa antes do escurecer. O cavalo ia sarapantado e a cada raio que cortava as nuvens, o homem rebolava para não deixá-lo enfiar mata à dentro. Era uma luta ferrenha com as rédeas, enquanto desfiava o Rosário; sempre tivera medo da barulheira que São Pedro mandava, mas não reclamava, bastava que chegasse logo em casa depois de todo dia longe.
Doutor Reis o fizera sair ainda de madrugada do Sarará. Que fosse na fazenda de Tião de Noca, uma eternidade para os lados do Pitão, e desse um recado ao velho: "que mandasse os filhos trazerem as armas no final de semana, que iam caçar".
Arnaldo estranhara as ordens do patrão, pois o mesmo nunca fora dado às caçadas, pelo contrário, dizia ser amante da natureza e contra as desumanidades com os bichos, mas, como sempre havia se postado, não fizera qualquer indagação, e, junto do canto dos galos, selou o cavalo e partiu.
Tião de Noca era um homem velho, dono de uma fazenda em frangalhos, que em outros tempos tinha sido um grande produtor de cachaça. Diziam à boca pequena que tinha sido amigo de Lampião, nos tempos do Ceará, de onde viera ainda jovem, tendo, de acordo com algumas lendas, dado pouso ao cangaceiro e seu bando na única vez que eles passaram por estas bandas, fugindo dos homens do governo. Agora, ainda diziam, vivia dos pequenos serviços dos filhos, trabalhos sujos, pagos adiantado, para que não restasse qualquer dúvida ou perigo.
O velho o recebera sem pompas, mas dignamente. Mandou que soltasse o cavalo na manga para que pudesse pastar até a volta, serviu um café preto com biscoitos de toalha e ordenou que esperasse o almoço. Deixasse o sol abaixar um pouco e à tarde podia partir de volta, com a confirmação dos meninos. Arnaldo não contradisse as ordens, o sol estava forte e a fome já fazia a barriga roncar.
Os filhos de Tião chegaram quando almoçavam. Pediram a benção do velho e cumprimentaram o forasteiro; ouviram da boca do pai o recado do Doutor Reis e, sem olhar para Arnaldo, mandaram dizer que partiriam na manhã seguinte para o Sarará e que não calhava qualquer preocupação da parte do doutor. Pediram a benção do pai, pegaram as armas na despensa e saíram sem se despedir do visitante, que se lembrava de Candinha e pensava no que fazia o patrão: por certo, estaria na varanda tomando pinga e olhando o tempo seco.
A chuva começara a cair no meio da estrada e o pobre diabo voltava sem capa de chuva, mas, também, quem diria que ela viria tão de repente, depois de um sol escaldante. Arnaldo não reclamava; apenas rezava e lembrava dos filhos de Tião; não tinha gostado daqueles dois, pareciam duas pestes, duas cobras prontas a dar o bote. Fortalecia a reza e punha o cavalo pra correr; besteira, naquela lama toda, logo o cavalo cansaria; voltava à toada de antes, enquanto os arrepios tomavam o seu corpo. Tinha maus pressentimentos e, por isso, rezava mais e lembrava de Candinha e pensava no patrão, enquanto os raios cortavam os céus.
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