Faz um tempo que não escrevo nada . Tem me faltado tempo, assim como também tem me faltado ânimo. Vem chovendo bastante e as roças estão vingando aos poucos; ainda não será uma grande produção, mas tudo tende a melhorar. Tonico é um bom homem, trabalhador; parece que nas mãos dele tudo há de prosperar. Não vai muito tempo e o Sarará retomará os tempos de glória que meu pai plantou.
Com as chuvas, a boa vontade dos bancos parece ter aumentado. Consegui um bom empréstimo, que pagarei com juros mínimos, em pequenas parcelas. Como garantia, coloquei o Sarará; mas logo retomo as rédeas e pago a dívida. Candinha não queria que eu pegasse o empréstimo, mas expliquei tudo o que pretendia fazer e, embora eu visse que não entendera quase nada, assentiu meio ressabiada, dizendo que eu sabia o que estava fazendo.
Falei com ela à noite, enquanto estávamos deitados, acariciando os seus cabelos, ela respirando fundo, pensando em tudo o que eu sonhava. É verdade que não desisti de ir embora para a capital, levar Candinha, fazê-la uma dama na sociedade; mas, com a chuva e sem o Arnaldo, talvez dê para ficar mais um tempo, até que a seca chegue de novo e tudo tenha que ser recomeçado.
O meu amigo não deu qualquer sinal; acredito que tenha mesmo morrido. É verdade que ainda sinto a sua presença; não digo que em sonhos ou lembranças, pois a presença de Candinha me enche de prazer e me faz esquecer as boas lembranças do pobre diabo. A presença que sinto é bastante física; vejo o vulto do Arnaldo próximo a casa, ouço a sua voz ao longe, passos em redor. Os cachorros, às vezes, latem à noite, sem que ninguém esteja por perto. Não são latidos de raiva, mas resmungos saudosos de alguém que aparece depois de muito tempo. Saio, a contragosto da minha esposa do Arnaldo, e, sem ver nada, retorno assustado para dentro.
Creio que tudo isso não passe de cismas minhas, mas, como de tudo devemos desconfiar, depois que peguei o dinheiro tratei logo de contratar mais homens para o Sarará. Disse que seriam braços para a lavoura, mas não passam de seguranças para Candinha e eu. Os filhos do Tião já não existem. Misteriosamente, morreram queimados numa choupana, pelos lados do Baluarte, onde estavam trabalhando para um fazendeiro. Não pensaram no Arnaldo; mas a sua lembrança logo me veio à mente.
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