domingo, 1 de dezembro de 2019

ARNALDO E A MORTE DOS FILHOS DE TIÃO

Joaquim e Luciovânio estavam trabalhando numa fazenda em Baluarte, fazendo carvão para um fazendeiro recém-chegado da capital. Dizem que é funcionário  público aposentado, parece que trabalhava no INAMPS, ou órgão parecido.

De acordo com Tonico, que trouxera as informações do Pitão, onde tinha ido, a meu mando, procurar homens fortes para trabalhar e que tivessem coragem de atirar, o homem queria investir boa parte do dinheiro que acumulara no alto cargo do funcionalismo público na criação de gado leiteiro e, para isso, precisaria desmatar quase toda a terra que havia comprado. Por isso, tinha chamado os filhos de Tião de Noca.

Os irmãos, conforme palavras de Tonico, tinham contratado os serviços de mais três homens no Pitão, carvoeiros velhos, cachaceiros inveterados. Assim, o serviço andava sem muita pressa, entre bebidas, cigarros e mulheres. Seu Rodrigues, o dono da fazenda, também não se aperreava; andava às voltas com uma separação, pois, dizem, havia encontrado a mulher na cama com o porteiro do apartamento onde morava, num dia em que tinha voltado mais cedo do serviço.

Parece que o fatídico acontecimento com os dois irmãos se dera num sábado ou domingo, quando os três homens estariam de folga nas suas casas, para reverem as mulheres e os filhos. Ainda segundo Tonico, os homens na praça da igreja disseram que os dois estariam bêbados e que ao acenderem o fogão para esquentar um tiragosto acabaram por adormecer; o fogo teria se alastrado rapidamente, pois o rancho era todo feito de paus e palhas, além do querosene estocado para as lamparinas.

Essa, para Tonico, seria a versão mais plausível que havia. Existiam outras, que andavam de boca em boca, dizendo que teriam sido mortos por algum marido traído; que Joaquim teria matado o irmão, depois de um porre de cachaça, por causa de um último pedaço de carne e, depois, colocado fogo no rancho, matando-se no meio das chamas; que um raio tinha caído no barraco e matado ambos no fogaréu.

Ninguém se lembrou do meu amigo Arnaldo. Todos acreditam que ele esteja mesmo morto, já não havendo nem mesmo os ossos do desgraçado. Mas nada me tira da cabeça que pode ter sido ele quem  matou os filhos de Tião. Os irmãos eram homens vividos, espertos e demasiadamente unidos, não fariam qualquer besteira, nem brigariam entre si. Por via das dúvidas, pedi aos homens para ficarem alertas e, caso apareça algum desconhecido no Sarará, tasquem fogo no diabo.

Apesar de todas as precauções, confesso o meu medo; por isso, tenho evitado sair da fazenda. No Pitinha, só vou em casos de última necessidade, para cuidar de doença e comprar as coisas de maior monta. Mesmo assim, levo junto dois homens armados,  ordenados para atirarem em qualquer mínima suspeição. Candinha, por ordem minha, não tem saído do Sarará e, mesmo na fazenda, só anda acompanhada por Maria, sob o meu pretexto de que existem relatos de ladrões rondando por estas bandas.

A pobre mulher não fez qualquer indagação. Recebeu as minhas ordens e logo as assimilou. Fica quase todo o tempo na cozinha, fazendo bolos de fubá, de cenoura; biscoitos de toalha, Xiriri, doces  de mamão, de leite, de goiaba; preparando as comidas que saboreio sempre depois de uma boa dose de pinga. Ela não fala do Arnaldo, mas sei que também se lembra do meu amigo. 

As memórias do desgraçado ainda estão quentes na minha mente. Lembro-me das nossas conversas na varanda; das pingas que tomávamos, enquanto ele escutava as minhas filosofias, sempre assentindo com a cabeça, por baixo do chapéu velho de massa; da sua conversa mansa e respeitosa, sempre me dizendo coisas de muito tempo. Sinto saudades do meu amigo; mas, pela sua minha esposa, tenho que me precaver. Vai que ele resolve aparecer!

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