domingo, 22 de dezembro de 2019

CRENÇAS


Fazia uma semana que o menino estava de cama, meio perrengado, sem querer comer, amarelo e emagrecendo a olhos vistos.

- Tem que levar o menino pra benzer, Manel. Com certeza, isso é quebranto.

Secando-se na toalha encardida, ele pensava o mesmo. Era até bom, pois aproveitaria e se benzeria da espinhela. Fazia tempo que as costas estavam doendo, desde que tinha ajudado Chiquim tirar o forno de carvão; e tudo por uma mixaria.

- Amanhã. Depois que eu tirar o leite, levo o menino lá. Aproveito e peço Sá Luça pra me benzer também. Já não estou aguentando a dor nas costas.

- A gente tem que ir na carroça. Eu também preciso me benzer. Arrumei um cobreiro aqui no braço, olha. É culpa dessas lagartixas; com certeza, uma dessas passou em cima de mim enquanto a gente dormia. Já não aguento mais esse tanto de bicho aqui em casa.

Seria melhor que ela ficasse e preparasse o almoço. Mesmo que saíssem de manhãzinha, só chegariam de volta depois das dez, muito tempo depois da hora de comer. Mas, não teria coragem de falar com Maria. O jeito era ir  o mais rápido que a carroça pudesse e voltar com a barriga roncando de fome.

À noite, enquanto o menino dormia no canto da cama com a mãe admirando a sua beleza (mesmo perrengado, ele era muito bonito. Maria tinha razão, ele devia estar com quebranto), Manel sentia as costas doendo, enquanto duas lagartixas brigavam por causa de uma mariposa que descansava na parede.

- A chuva não demora, Maria. As mariposas já estão começando a aparecer.

Maria não respondeu; apenas deu um beijo no menino, que, graças a Deus, não estava com febre; coçou o braço cheio de botucos e fechou os olhos. Manel não conseguiria dormir tão cedo e se contentava em ver as lagartixas correndo de um canto a outro da parede.

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