Os carros desciam em alta velocidade, enquanto as mulheres subiam pela rua puxando os meninos pela mão. Do alto do prédio, ele observava o amanhecer. Ainda não eram sete horas, mas a cidade já estava em movimento.
Na próxima semana tudo estaria mais calmo. As aulas estavam acabando, as mães poderiam dormir um pouco mais e as crianças viveriam, por quase dois meses, o tédio de ficar trancafiadas dentro de casa.
O café estava forte, assim como ele gostava; a broa esfarelava na boca, enquanto as lembranças vinham à sua mente. No seu tempo de criança tudo era bem melhor. E isso não era choro de algum nostálgico. Ao contrário, era um homem cheio de modernidades, que sempre cria no futuro e contava milhões de planos à frente.
A cidade não tinha tantos carros; os ladrõezinhos eram conhecidos, e se satisfaziam em roubar galinhas ou coisas de pouca monta; as pessoas não andavam tão apressadas e as crianças não se entediavam tão facilmente.
As férias prologavam-se por quase dois meses, enquanto ele e os amigos corriam pelas ruas brincando de polícia e ladrão; jogavam bola em todos os peladores de cidade; apertavam as campanhias das casas das ruas de baixo, só para saírem em desabalada carreira, enquanto os donos saíam com seus incontáveis impropérios.
À noite, sentavam-se todos os meninos na calçada, à porta de casa, para contarem histórias de terror; brincarem de cabra-cega, pique-esconde ou simplesmente para contar as estrelas, sob o grande risco de contraírem enormes verrugas.
Um carro parou na porta e buzinou. Os homens já desciam para o serviço, contando piadas, assoviando as mocinhas que voltavam pra casa com sacolas de pão, rindo das mulheres que lutavam contra o vento para segurarem os vestidos que teimavam em voar.
A namorada desceu do carro, olhou para cima e fez sinal de que já estavam atrasados. Ele acabou de tomar, rapidamente, o seu café; pôs o copo sobre a pia e desceu. Ao fechar a porta, ainda pôde ver, de relance, que um menino feliz relembrava, olhando para a rua, toda uma infância de liberdade.
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